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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
US$ 100 bilhões no caixa
Até quando o Banco Central
pode levar adiante esse seu
papel de comprador de
dólares de última instância?
PARA ALGUÉM como eu, que lida
com as coisas da economia
brasileira há 40 anos, é uma situação absolutamente nova ver as
reservas livres do Brasil crescerem
de forma tão rápida como atualmente. Minha geração amadureceu profissionalmente em um ambiente de
recorrentes crises, sempre derivadas de escassez de moeda forte na
economia. E aprendemos que nessa
situação a economia brasileira tinha
que se proteger criando restrições,
legais e administrativas, à demanda
pela moeda americana.
Nesse ambiente conturbado, a
reação racional dos agentes econômicos sempre foi a de minimizar as
relações com o mundo exterior, o
que resultou na pequena abertura
de nossa economia ao comércio internacional. Afinal, manter descasamentos em moeda estrangeira -dívidas e obrigações com fornecedores- trazia o risco de um grande
prejuízo no caso de uma desvalorização cambial abrupta. Muitos tentaram e ficaram pelo caminho.
Já há algum tempo tenho apontado a realidade totalmente diferente
que vivemos nos últimos três anos:
há uma "sobra" continuada de moeda estrangeira em nosso mercado de
câmbio, da ordem de US$ 30 bilhões
a US$ 40 bilhões por ano, que altera
dramaticamente o que chamo de
metabolismo da economia brasileira. A percepção de que a valorização
do real veio para ficar está sendo
progressivamente incorporada pelos agentes econômicos, que passam
a trocar seus dólares pelo real na
maior velocidade possível. E hoje
existe apenas um agente que banca
essa corrida: o Banco Central, que
tem comprado dólares em velocidade quase chinesa. Na última terça-feira, quase US$ 1 bilhão passou de
agentes privados para o governo e
nossas reservas vão atingir US$ 100
bilhões nos próximos dias, sem que
haja nenhum sinal de diminuição no
ritmo de acumulação.
A pergunta que fica no ar é: até
quando o Banco Central pode levar
adiante esse seu papel de comprador de dólares de última instância?
Em princípio, esse acúmulo de reservas tem um lado positivo, pois, ao
valorizar e reduzir a volatilidade de
longo prazo da taxa de câmbio, permite que nossa economia funcione
como um sistema aberto, interligando os mercados internos de bens e
serviços com os internacionais. Isso
é muito positivo e traz benefícios
importantes para o funcionamento
mais eficiente de toda a economia
brasileira. O processo rápido de desinflação pode ser mencionado como o mais importante deles.
Lamentavelmente, o Banco Central
ainda não incorporou adequadamente essa realidade em sua análise.
Daí resulta sua posição equivocada
de reduzir a velocidade da queda da
taxa Selic na última reunião do Copom.
Hoje, está absolutamente claro
que a melhoria das condições de solvência externa da economia e o
grande impacto deflacionista das
importações são os fatores que estão
permitindo a queda acentuada dos
juros no Brasil, sem comprometer a
meta de inflação. O "mercado" vê isso com clareza. Basta dizer que o juro real -taxa nominal menos a inflação- já está próximo a 8% ao ano,
com ampla chance de chegar a 6%
em prazo não muito longo. Na última semana, o mercado colocou os
juros nominais "longos" -entre três
e cinco anos à frente- abaixo de 12%
pela primeira vez em décadas.
Outra prova é a colocação recente
pelo Tesouro Nacional de títulos denominados em reais com prazo de
20 anos no mercado internacional a
uma taxa de 10,68% ao ano. Isso era
inimaginável há quatro anos. A teimosia de muitos economistas e do
próprio Banco Central em perceber
essa realidade não é capaz de frear
esse avassalador movimento de
mercado, que tem reduzido de forma importante o custo de capital para as empresas brasileiras e aumentado o estímulo para novos investimentos.
Mas o acúmulo rápido de reservas
cria problemas que precisam ser entendidos na sua profundidade. O
primeiro deles é que o governo incorre em um custo significativo, já
que é obrigado a emitir dívida interna a taxas mais altas que o rendimento das reservas.
Em segundo lugar, esse aumento
exagerado das reservas e a redução
extraordinária do risco de solvência
do país elevam de forma significativa a entrada de capital financeiro,
que se aproveita das ainda altas taxas de juros no Brasil. E essa entrada
de dólares acaba por realimentar a
necessidade de compras pelo Banco
Central, que tenta evitar que o real
se valorize ainda mais e acabe por
tornar sem competitividade parte
importante de nosso parque industrial, coisa que já está acontecendo
mesmo assim, como tenho argumentado há tempos neste espaço.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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