São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

US$ 100 bilhões no caixa

Até quando o Banco Central pode levar adiante esse seu papel de comprador de dólares de última instância?

PARA ALGUÉM como eu, que lida com as coisas da economia brasileira há 40 anos, é uma situação absolutamente nova ver as reservas livres do Brasil crescerem de forma tão rápida como atualmente. Minha geração amadureceu profissionalmente em um ambiente de recorrentes crises, sempre derivadas de escassez de moeda forte na economia. E aprendemos que nessa situação a economia brasileira tinha que se proteger criando restrições, legais e administrativas, à demanda pela moeda americana.
Nesse ambiente conturbado, a reação racional dos agentes econômicos sempre foi a de minimizar as relações com o mundo exterior, o que resultou na pequena abertura de nossa economia ao comércio internacional. Afinal, manter descasamentos em moeda estrangeira -dívidas e obrigações com fornecedores- trazia o risco de um grande prejuízo no caso de uma desvalorização cambial abrupta. Muitos tentaram e ficaram pelo caminho.
Já há algum tempo tenho apontado a realidade totalmente diferente que vivemos nos últimos três anos: há uma "sobra" continuada de moeda estrangeira em nosso mercado de câmbio, da ordem de US$ 30 bilhões a US$ 40 bilhões por ano, que altera dramaticamente o que chamo de metabolismo da economia brasileira. A percepção de que a valorização do real veio para ficar está sendo progressivamente incorporada pelos agentes econômicos, que passam a trocar seus dólares pelo real na maior velocidade possível. E hoje existe apenas um agente que banca essa corrida: o Banco Central, que tem comprado dólares em velocidade quase chinesa. Na última terça-feira, quase US$ 1 bilhão passou de agentes privados para o governo e nossas reservas vão atingir US$ 100 bilhões nos próximos dias, sem que haja nenhum sinal de diminuição no ritmo de acumulação.
A pergunta que fica no ar é: até quando o Banco Central pode levar adiante esse seu papel de comprador de dólares de última instância?
Em princípio, esse acúmulo de reservas tem um lado positivo, pois, ao valorizar e reduzir a volatilidade de longo prazo da taxa de câmbio, permite que nossa economia funcione como um sistema aberto, interligando os mercados internos de bens e serviços com os internacionais. Isso é muito positivo e traz benefícios importantes para o funcionamento mais eficiente de toda a economia brasileira. O processo rápido de desinflação pode ser mencionado como o mais importante deles.
Lamentavelmente, o Banco Central ainda não incorporou adequadamente essa realidade em sua análise.
Daí resulta sua posição equivocada de reduzir a velocidade da queda da taxa Selic na última reunião do Copom.
Hoje, está absolutamente claro que a melhoria das condições de solvência externa da economia e o grande impacto deflacionista das importações são os fatores que estão permitindo a queda acentuada dos juros no Brasil, sem comprometer a meta de inflação. O "mercado" vê isso com clareza. Basta dizer que o juro real -taxa nominal menos a inflação- já está próximo a 8% ao ano, com ampla chance de chegar a 6% em prazo não muito longo. Na última semana, o mercado colocou os juros nominais "longos" -entre três e cinco anos à frente- abaixo de 12% pela primeira vez em décadas.
Outra prova é a colocação recente pelo Tesouro Nacional de títulos denominados em reais com prazo de 20 anos no mercado internacional a uma taxa de 10,68% ao ano. Isso era inimaginável há quatro anos. A teimosia de muitos economistas e do próprio Banco Central em perceber essa realidade não é capaz de frear esse avassalador movimento de mercado, que tem reduzido de forma importante o custo de capital para as empresas brasileiras e aumentado o estímulo para novos investimentos.
Mas o acúmulo rápido de reservas cria problemas que precisam ser entendidos na sua profundidade. O primeiro deles é que o governo incorre em um custo significativo, já que é obrigado a emitir dívida interna a taxas mais altas que o rendimento das reservas.
Em segundo lugar, esse aumento exagerado das reservas e a redução extraordinária do risco de solvência do país elevam de forma significativa a entrada de capital financeiro, que se aproveita das ainda altas taxas de juros no Brasil. E essa entrada de dólares acaba por realimentar a necessidade de compras pelo Banco Central, que tenta evitar que o real se valorize ainda mais e acabe por tornar sem competitividade parte importante de nosso parque industrial, coisa que já está acontecendo mesmo assim, como tenho argumentado há tempos neste espaço.


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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