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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Brasil: uma economia em mudanças
Estamos observando uma verdadeira revolução do
lado da oferta de uma
gama imensa de produtos
VOLTO A UM tema que tem ocupado com freqüência este espaço de reflexão sobre a nossa
economia: vivemos um período
incrível de mudanças. Alguns sinais desse processo são visíveis a
olho nu; outros só podem ser observados a partir de uma análise
mais profunda. Entre os primeiros
destaco a incrível força do real,
mesmo em períodos de nervosismo nos mercados internacionais
como o que estamos vivendo. Citaria também o volume de nossas reservas, as taxas de inflação e a combinação de uma queda expressiva
dos juros reais e o alongamento
dos prazos dos empréstimos bancários. O brasileiro pode hoje financiar um automóvel em até seis
anos e já existe um mercado de títulos públicos com vencimentos
além de 2010.
Mas são os dados mais difíceis de
serem observados que mostram de
forma mais clara a intensidade das
mudanças pelas quais estamos
passando. Dou o exemplo da questão da inflação. Ela é acompanhada
principalmente a partir de índices
mais abrangentes, como o IPCA e
os IGPs. Para o IPCA, os economistas da Quest Investimentos projetam um aumento, em 2007, da ordem de 3,5%. Ou seja, pelo segundo
ano consecutivo, muito abaixo da
meta fixada pelo Banco Central.
Mas existem outras informações
que são ainda mais ricas para o
analista que busca entender o que
acontece no campo da formação
dos preços de produtos e serviços.
As estatísticas sobre vendas ao varejo até janeiro, divulgadas ontem
pelo IBGE, são um bom exemplo.
Um trabalho mais sofisticado de
pesquisa nos mostra como estão se
comportando os preços na ponta
do consumidor. Transcrevo ao lado
a inflação nos últimos 12 meses para alguns itens mais importantes.
Parece incrível, mas temos deflação, ou seja, quedas nominais de
preços, nos setores em que as vendas crescem a taxas elevadíssimas.
Por sua vez, há quedas menores ou
altas de preços nos setores de menor expansão, como os de vestuário e de alimentos. Nos 12 meses
terminados em janeiro, as vendas
físicas de automóveis cresceram
14,3 %, as de móveis e eletrodomésticos, 24,1%, e as de produtos
alimentícios, bebidas e fumo, 4,9%.
Durma-se com um barulho desses.
Como vivemos em um ambiente
de preços totalmente livres, é necessário buscar na dinâmica microeconômica as explicações para
esse aparente enigma. O que estamos observando é uma verdadeira
revolução do lado da OFERTA de
uma gama imensa de produtos,
tanto no setor de bens de consumo
como no de bens intermediários. E
essa revolução, lenta e silenciosa,
aparece porque o setor produtivo
começa a integrar-se de forma racional nas cadeias produtivas
mundiais. Por outro lado, começam a ser montadas redes capilares
de distribuição de produtos finais,
principalmente bens de consumo
duráveis.
Por décadas ficamos, na questão
da inflação, na dependência do
comportamento da demanda interna. Como as importações eram
muito reduzidas e instáveis devido
às crises externas, o equilíbrio nos
mercados ficava na dependência
do investimento em novas unidades produtivas. E o processo de investimento é muito lento e dependente de variáveis não-econômicas
para funcionar como mecanismo
de ajuste no curto e médio prazo.
Agora a situação é outra. Um aumento na demanda interna pode
ser rapidamente atendido via crescimento das importações. E a eficiência desse canal de oferta interna ainda vai aumentar muito. É
preciso tempo para que a arbitragem entre mercado interno e externo se desenvolva. Como já disse
aqui várias vezes, o segredo para isso é a manutenção de uma baixa
volatilidade na taxa de câmbio, o
que me parece garantido em razão
do fluxo de dólares a que estamos
assistindo. É nesse ponto -a dinâmica da oferta- que reside minha grande crítica ao Banco Central do Brasil na condução da política monetária.
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e
economista, é economista-chefe da Quest Investimentos.
Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações
(governo FHC).
lcmb2@terra.com.br
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