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OPINIÃO ECONÔMICA
Um cenário de muitos riscos
PAULO RABELLO DE CASTRO
Não escapa a quase ninguém que o mundo está
dançando à beira de um abismo.
A invasão anglo-americana ao
Iraque é apenas um elemento
desse cenário de extrema incerteza.
Há 24 meses, a economia americana apresentava sinais claros
de estagnação. Estávamos em
meados de 2001, às vésperas do
terrível ataque às torres gêmeas,
que fulminaria o mito da invulnerabilidade dos Estados Unidos.
Diversos analistas econômicos, no
entanto, mantinham confiança
na reação das Bolsas, consideradas o pulso da saúde da maior
economia do mundo. Esses analistas estavam errados. Viam
uma recuperação "logo à frente".
O que se viu, de fato, foi o aprofundamento das dificuldades. Ao
final de 2001, grandes empresas,
como Enron e tantas outras, começaram a cair como folhas mortas da grande árvore americana.
Mas o episódio desse doloroso
ajustamento está longe de acabar. Há diversos sintomas apontando o prolongamento da crise
que, neste momento, assume extensão quase mundial.
Há até quem afirme, não sem
sólidos argumentos, que o pior
ainda está por vir. Não é à toa que
se pensa assim. Afinal, mesmo
após 12 intervenções consecutivas
do Federal Reserve, baixando seguidamente as taxas de juros dos
títulos do governo dos EUA, o
consumo no país não esboça a
menor reação.
Estive nos EUA há pouco tempo. O comércio local, no desespero, apela para a política de vendas que alguns considerariam até
autofágica: vender utilidades domésticas, automóveis, a juro zero,
com zero de entrada e carência de
12 meses, ou mais, até a primeira
prestação!
Enquanto isso, o Fed continua a
imprimir dinheiro como nunca. A
liquidez, no entanto, não se transmite com facilidade para o financiamento da produção, muito
menos para empréstimos aos países e empresas do bloco "emergente". Os bancos, que sacaram bilhões de dólares do Brasil, no ano
passado, a fim de socorrer suas
carteiras de empréstimos inadimplentes, continuam pensando o
que todos sabem: é melhor não
emprestar porque as empresas
não vão gerar caixa suficiente para pagar essas dívidas nos próximos meses.
Tudo parece apontar, portanto,
um cenário de grandes riscos. A
SR Rating, uma agência brasileira de classificação de risco de crédito, reuniu um grupo de especialistas internacionais para discutir
as repercussões desse cenário: para o Brasil, as conclusões foram
quase unânimes: o país precisa se
cuidar para não extrair conclusões apressadas "sobre seu recente
bem-estar, produzido por uma
entrada de dólares que trouxe a
taxa de câmbio para baixo".
As opiniões de mercado no Brasil costumam variar da depressão
profunda ao mais desvairado delírio de grandeza. O país, embora
com grande potencial e tendo
eleito um presidente de fato capaz
de "virar o jogo", ainda tem uma
economia extremamente fragilizada pela louca inflação da década passada e pela não menos desequilibrada política de juros altos que herdamos de anos recentes.
Como deveria reagir o Brasil
diante de um cenário de estagnação nos EUA e deflação no Japão
e na Alemanha? Está claro que a
resposta é uma só: buscar liberar
as forças produtivas da maneira
mais rápida possível. Só com mais
produção o Brasil se somará ao
grupo dos sobreviventes diante do
possível colapso externo. Ter uma
política de crescimento da produção é bem diferente de ter ministros falando sobre o assunto e
prometendo chegar lá. O fato é
que não temos foco no crescimento há vários anos, e a chegada do
PT ao poder, neste aspecto, não
inovou nada, já que prosseguiu
na causativa e perigosa arenga de
que é a política de juros absurdamente altos do Banco Central que
nos tirará do sufoco.
Nem deu certo antes nem dará
agora. Considero até necessário,
no momento, uma inversão de
certas prioridades nas reformas:
as tributária e da Previdência,
por mais que sejam fundamentais, não atendem diretamente à
emergência diante de nós, que é a
provável recessão mundial.
O contexto desse novo tipo de
risco nos impele à prioridade de
competir lá fora com unhas e dentes, reforçando, por todos os meios
e modos, a vantagem das mercadorias e serviços brasileiros exportáveis. Isso requer uma política financeira e de câmbio oposta
ao que se vem praticando nos últimos 60 dias. É necessário evitar
que o câmbio se revalorize artificialmente.
Em seguida, é preciso preparar e
executar um choque fiscal ainda
maior, "curto e grosso", em vez de
projetar o horror sem fim de enormes superávits primários ao longo de todo o mandato de Lula. É
urgente também rever de modo
neutro e isento os pagamentos
das dívidas dos Estados, rediscutir a indexação de contratos domésticos ao IGP (Índice Geral de
Preços da FGV) e decretar uma
medida provisória para reestruturação de empresas de interesse
publico em crise financeira. Finalmente, é preciso rever também
o entulho trabalhista que impede
o país de disputar, com trunfos
iguais, a acirrada e crescente
competição mundial, em relação
a países como China, Coréia ou
Índia, que gostamos de citar, mas
evitamos imitar. O Brasil quer e
precisa criar muitos mais empregos já. Nisso Lula terá que radicalizar.
Como terá que radicalizar também contra as vozes que, mal saídas dos porões dos novos conselhos do governo, já prenunciavam
a "inevitabilidade" de o Brasil fazer reformas aos bocadinhos, como se fôssemos um alegre grupo
de senhoras provando "petits gateaux" no chá das cinco.
Se o Brasil quiser se safar, não
poderá titubear, nem muito menos tergiversar.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de
crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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