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São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um cenário de muitos riscos

PAULO RABELLO DE CASTRO

Não escapa a quase ninguém que o mundo está dançando à beira de um abismo. A invasão anglo-americana ao Iraque é apenas um elemento desse cenário de extrema incerteza.
Há 24 meses, a economia americana apresentava sinais claros de estagnação. Estávamos em meados de 2001, às vésperas do terrível ataque às torres gêmeas, que fulminaria o mito da invulnerabilidade dos Estados Unidos. Diversos analistas econômicos, no entanto, mantinham confiança na reação das Bolsas, consideradas o pulso da saúde da maior economia do mundo. Esses analistas estavam errados. Viam uma recuperação "logo à frente". O que se viu, de fato, foi o aprofundamento das dificuldades. Ao final de 2001, grandes empresas, como Enron e tantas outras, começaram a cair como folhas mortas da grande árvore americana. Mas o episódio desse doloroso ajustamento está longe de acabar. Há diversos sintomas apontando o prolongamento da crise que, neste momento, assume extensão quase mundial.
Há até quem afirme, não sem sólidos argumentos, que o pior ainda está por vir. Não é à toa que se pensa assim. Afinal, mesmo após 12 intervenções consecutivas do Federal Reserve, baixando seguidamente as taxas de juros dos títulos do governo dos EUA, o consumo no país não esboça a menor reação.
Estive nos EUA há pouco tempo. O comércio local, no desespero, apela para a política de vendas que alguns considerariam até autofágica: vender utilidades domésticas, automóveis, a juro zero, com zero de entrada e carência de 12 meses, ou mais, até a primeira prestação!
Enquanto isso, o Fed continua a imprimir dinheiro como nunca. A liquidez, no entanto, não se transmite com facilidade para o financiamento da produção, muito menos para empréstimos aos países e empresas do bloco "emergente". Os bancos, que sacaram bilhões de dólares do Brasil, no ano passado, a fim de socorrer suas carteiras de empréstimos inadimplentes, continuam pensando o que todos sabem: é melhor não emprestar porque as empresas não vão gerar caixa suficiente para pagar essas dívidas nos próximos meses.
Tudo parece apontar, portanto, um cenário de grandes riscos. A SR Rating, uma agência brasileira de classificação de risco de crédito, reuniu um grupo de especialistas internacionais para discutir as repercussões desse cenário: para o Brasil, as conclusões foram quase unânimes: o país precisa se cuidar para não extrair conclusões apressadas "sobre seu recente bem-estar, produzido por uma entrada de dólares que trouxe a taxa de câmbio para baixo".
As opiniões de mercado no Brasil costumam variar da depressão profunda ao mais desvairado delírio de grandeza. O país, embora com grande potencial e tendo eleito um presidente de fato capaz de "virar o jogo", ainda tem uma economia extremamente fragilizada pela louca inflação da década passada e pela não menos desequilibrada política de juros altos que herdamos de anos recentes.
Como deveria reagir o Brasil diante de um cenário de estagnação nos EUA e deflação no Japão e na Alemanha? Está claro que a resposta é uma só: buscar liberar as forças produtivas da maneira mais rápida possível. Só com mais produção o Brasil se somará ao grupo dos sobreviventes diante do possível colapso externo. Ter uma política de crescimento da produção é bem diferente de ter ministros falando sobre o assunto e prometendo chegar lá. O fato é que não temos foco no crescimento há vários anos, e a chegada do PT ao poder, neste aspecto, não inovou nada, já que prosseguiu na causativa e perigosa arenga de que é a política de juros absurdamente altos do Banco Central que nos tirará do sufoco.
Nem deu certo antes nem dará agora. Considero até necessário, no momento, uma inversão de certas prioridades nas reformas: as tributária e da Previdência, por mais que sejam fundamentais, não atendem diretamente à emergência diante de nós, que é a provável recessão mundial.
O contexto desse novo tipo de risco nos impele à prioridade de competir lá fora com unhas e dentes, reforçando, por todos os meios e modos, a vantagem das mercadorias e serviços brasileiros exportáveis. Isso requer uma política financeira e de câmbio oposta ao que se vem praticando nos últimos 60 dias. É necessário evitar que o câmbio se revalorize artificialmente.
Em seguida, é preciso preparar e executar um choque fiscal ainda maior, "curto e grosso", em vez de projetar o horror sem fim de enormes superávits primários ao longo de todo o mandato de Lula. É urgente também rever de modo neutro e isento os pagamentos das dívidas dos Estados, rediscutir a indexação de contratos domésticos ao IGP (Índice Geral de Preços da FGV) e decretar uma medida provisória para reestruturação de empresas de interesse publico em crise financeira. Finalmente, é preciso rever também o entulho trabalhista que impede o país de disputar, com trunfos iguais, a acirrada e crescente competição mundial, em relação a países como China, Coréia ou Índia, que gostamos de citar, mas evitamos imitar. O Brasil quer e precisa criar muitos mais empregos já. Nisso Lula terá que radicalizar.
Como terá que radicalizar também contra as vozes que, mal saídas dos porões dos novos conselhos do governo, já prenunciavam a "inevitabilidade" de o Brasil fazer reformas aos bocadinhos, como se fôssemos um alegre grupo de senhoras provando "petits gateaux" no chá das cinco.
Se o Brasil quiser se safar, não poderá titubear, nem muito menos tergiversar.


Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br


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