São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

A "otoridade" do visconde do poço


Diante de críticas e acusações de conduta irregular, diretor da ANP retruca que é "autoridade do governo"

ATÉ ONTEM , a gente poderia dizer que o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo não sabia do que estava falando nem o que estava fazendo. Haroldo Lima, o diretor da ANP, disse na segunda-feira que soubera pela "operadora", embora não de modo oficial, que haveria mais um campo de petróleo gigante no mar que fica mais ou menos diante de São Paulo e Rio. Em seguida, e certamente por causa disso, as ações da Petrobras, que caíam antes de Lima dar de falar sobre reservas das Arábias, subiram mais de 5%. Deu a confusão que deu.
Lima seria até então apenas falto de instrução sobre a prudência, sobre normas do mercado, sobre os limites funcionais de seu cargo, talvez inimputável ou incapaz, como os loucos de todo o gênero, as crianças e os silvícolas do antigo Código Civil.
Mas, ontem, Lima virou "otoridade", o visconde do poço. Diante das críticas e sujeito a investigações da CVM e do Ministério Público, Lima não apenas reafirmou sua lambança como afirmou seu direito irrestrito à lambança. O diretor da ANP disse ao Senado que é "autoridade do governo", que fala o que lhe dá na telha e que não é subordinado à CVM (Comissão de Valores Imobiliários, órgão de Estado responsável por supervisionar e fiscalizar o mercado de capitais). Disse precisamente que "não é subordinado de CVM de coisa alguma (sic), eu sou membro do governo".
De fato, Lima não é subordinado à CVM, em tese nem ao presidente da República e, como qualquer cidadão, pode dizer também que não é subordinado ao Poder Judiciário. A gente é só obrigada a obedecer a leis e a normas infralegais previstas pela lei, como se aprende no ginásio.
Como diz ter sabido de informações não oficiais por meio de fontes na "operadora", Lima poderia ao menos ter argumentado que, na verdade, referia-se à telefonista ou à telefônica, que hoje em dia têm esse nome estranho, "operadoras". Mas não, preferiu virar fera, "otoridade", "ni mim ninguém manda". Disse que "não anunciou nada" (sim, apenas tornou públicas informações que diz ter obtido da "operadora").
Afirmou ainda que o "espalhafato" foi culpa da "imprensa" açulada por especuladores e que nada teve a ver com a especulação na Bolsa, da qual aliás diz desconhecer o endereço. Sim, a culpa pode ter sido da imprensa. Os milionários repórteres que entrevistavam Lima provavelmente ligaram para seus corretores na Bolsa assim que souberam do poço gigante de petróleo e fizeram o preço da Petrobras disparar.
Lima, enfim, desconhece a diferença entre lei e instituições encarregadas de zelar pelo seu cumprimento. Imagina que o exercício de função pública está sujeito a relações de mando. Na direção de uma agência reguladora que lida intimamente com a maior empresa do país, a Petrobras, listada em Bolsa, afirma desconhecer, e disso dá mostras, o mercado acionário. Lima desconhece em particular que o acesso do mercado a informação relevante a respeito de empresas é regulado, nisso talvez influenciado pelo fato de que quase ninguém seja punido no país por esculhambar o mercado.
Lima está, pois, entre o inimputável e o declaradamente ignaro -difícil imaginar alternativa. O que Lima está fazendo na ANP?

vinit@uol.com.br


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