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OPINIÃO ECONÔMICA
Briga de botequim
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
O debate sobre a questão
dos juros acirrou-se nos últimos dias. De um lado, economistas de corte monetarista e defensores de uma metodologia estatística -o sistema de metas de inflação- para acompanhar a trajetória da inflação; de outro,
aqueles que defendem um entendimento estrutural do processo de
aumento dos preços como caminho para orientar a ação do Banco Central. Mais uma vez, assiste-se ao confronto entre o pensamento econômico de Keynes e o
de Milton Friedman.
Venho refletindo com frequência sobre estas duas metodologias,
opostas entre si, de como analisar
o chamado fenômeno econômico.
Creio que podemos falar em filosofia da economia mais do que
em teoria econômica. A filosofia
da economia nos ensina como
pensar o fenômeno econômico; a
teoria econômica trata de seu
funcionamento efetivo. Para sair
do difícil terreno das idéias abstratas, vou contar a meu leitor a
história de Alfredo e Sérgio, dois
economistas brasileiros que estão
envolvidos profissionalmente nas
discussões sobre o melhor caminho a ser seguido pelo Copom em
sua próxima reunião.
Alfredo trabalha com um sistema de acompanhamento de preços e informações qualitativas obtidas com especialistas dos mercados mais importantes e representativos da economia. Seu dia-a-dia é trabalhoso e cansativo e o
coloca em contato direto com alguns dos principais agentes de
nossa economia.
Já o nosso Sérgio vive em um
mundo totalmente diferente! Seu
trabalho diário consiste basicamente em rodar modelos estatísticos que melhor expliquem o que
ocorreu no passado com a inflação no Brasil. Seus únicos contatos com o mundo real são os preços que ocorreram no passado.
Nosso futuro sai de seu computador via uma complexa fórmula
matemática.
No mês passado, às vésperas da
reunião do Copom, Alfredo defendia a posição de que o BC poderia decidir pela primeira redução de juros ao longo do governo
Lula. Os preços no atacado estavam desacelerando, o fantasma
do petróleo já não existia mais e a
economia estava novamente em
uma trajetória de enfraquecimento. Mesmo alguns setores industriais com fortes tintas monopolistas, principalmente a indústria de alimentos, vinham emitindo sinais de acomodação à fraqueza dos mercados.
Já Sérgio aconselhava um novo
aumento dos juros, porque a inflação que seu modelo projetava
ainda estava muito longe das metas estabelecidas pelo Banco Central. Além disso, estava muito
preocupado com a evolução do
coeficiente auto-regressivo, calculado com um filtro de Kalman, na
série passada do IPCA.
Nos 30 dias seguintes, a inflação
trilhou de maneira muito clara os
caminhos previstos por Alfredo.
Sua projeção para a primeira prévia do IGP-M de maio era 0,09%;
o resultado foi 0,01%. Para o IPA,
ele projetava uma queda de
0,20%; os números da FGV mostraram uma queda de preços de
0,30%. Para o mês fechado de
maio, ele trabalha com 0,20%,
com a ressalva de que somente o
impacto do dissídio salarial na
construção civil representa um
aumento de 0,30% no índice total.
Por outro lado, a desaceleração
da economia acentuou-se, como
mostram os índices de produção
industrial do IBGE para abril. Para dar ao meu leitor uma idéia
mais concreta desse comportamento, basta citar o fato de que as
vendas de cimento caíram mais
de 8%!
A próxima reunião do Copom
vai acontecer com o quadro de redução de inflação e de desaceleração da economia mais claro. Se
no mês passado apenas alguns especialistas, como Alfredo, visualizavam o que estava acontecendo
com a inflação, agora o quadro é
totalmente diferente. As informações são mais consistentes e as
previsões para os próximos meses
mostram de maneira nítida que
as expectativas mudaram. O espaço para uma redução dos juros
aumentou significativamente.
Uma evidência dessa nova realidade é o número expressivo de
analistas de corte conservador
que defendem, como Alfredo,
uma redução dos juros.
Mas a oposição a essa decisão
ainda é grande. A maioria da diretoria do Banco Central defende
uma atitude conservadora e de
serenidade. Sérgio concorda, pois
seus modelos ainda mostram
uma grande inércia na inflação
passada. Como ele, pensam outros economistas que fazem a cabeça do mercado e do Ministério
da Fazenda.
Entro nesse debate e digo que o
Copom vai manter inalterado o
juro Selic. O medo de ser acusado
de influência política no caso de
decidir por uma redução e sua
cultura estatística em relação à
inflação vão imobilizá-lo mais
uma vez.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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