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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Briga de botequim

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O debate sobre a questão dos juros acirrou-se nos últimos dias. De um lado, economistas de corte monetarista e defensores de uma metodologia estatística -o sistema de metas de inflação- para acompanhar a trajetória da inflação; de outro, aqueles que defendem um entendimento estrutural do processo de aumento dos preços como caminho para orientar a ação do Banco Central. Mais uma vez, assiste-se ao confronto entre o pensamento econômico de Keynes e o de Milton Friedman.
Venho refletindo com frequência sobre estas duas metodologias, opostas entre si, de como analisar o chamado fenômeno econômico. Creio que podemos falar em filosofia da economia mais do que em teoria econômica. A filosofia da economia nos ensina como pensar o fenômeno econômico; a teoria econômica trata de seu funcionamento efetivo. Para sair do difícil terreno das idéias abstratas, vou contar a meu leitor a história de Alfredo e Sérgio, dois economistas brasileiros que estão envolvidos profissionalmente nas discussões sobre o melhor caminho a ser seguido pelo Copom em sua próxima reunião.
Alfredo trabalha com um sistema de acompanhamento de preços e informações qualitativas obtidas com especialistas dos mercados mais importantes e representativos da economia. Seu dia-a-dia é trabalhoso e cansativo e o coloca em contato direto com alguns dos principais agentes de nossa economia.
Já o nosso Sérgio vive em um mundo totalmente diferente! Seu trabalho diário consiste basicamente em rodar modelos estatísticos que melhor expliquem o que ocorreu no passado com a inflação no Brasil. Seus únicos contatos com o mundo real são os preços que ocorreram no passado. Nosso futuro sai de seu computador via uma complexa fórmula matemática.
No mês passado, às vésperas da reunião do Copom, Alfredo defendia a posição de que o BC poderia decidir pela primeira redução de juros ao longo do governo Lula. Os preços no atacado estavam desacelerando, o fantasma do petróleo já não existia mais e a economia estava novamente em uma trajetória de enfraquecimento. Mesmo alguns setores industriais com fortes tintas monopolistas, principalmente a indústria de alimentos, vinham emitindo sinais de acomodação à fraqueza dos mercados.
Já Sérgio aconselhava um novo aumento dos juros, porque a inflação que seu modelo projetava ainda estava muito longe das metas estabelecidas pelo Banco Central. Além disso, estava muito preocupado com a evolução do coeficiente auto-regressivo, calculado com um filtro de Kalman, na série passada do IPCA.
Nos 30 dias seguintes, a inflação trilhou de maneira muito clara os caminhos previstos por Alfredo. Sua projeção para a primeira prévia do IGP-M de maio era 0,09%; o resultado foi 0,01%. Para o IPA, ele projetava uma queda de 0,20%; os números da FGV mostraram uma queda de preços de 0,30%. Para o mês fechado de maio, ele trabalha com 0,20%, com a ressalva de que somente o impacto do dissídio salarial na construção civil representa um aumento de 0,30% no índice total.
Por outro lado, a desaceleração da economia acentuou-se, como mostram os índices de produção industrial do IBGE para abril. Para dar ao meu leitor uma idéia mais concreta desse comportamento, basta citar o fato de que as vendas de cimento caíram mais de 8%!
A próxima reunião do Copom vai acontecer com o quadro de redução de inflação e de desaceleração da economia mais claro. Se no mês passado apenas alguns especialistas, como Alfredo, visualizavam o que estava acontecendo com a inflação, agora o quadro é totalmente diferente. As informações são mais consistentes e as previsões para os próximos meses mostram de maneira nítida que as expectativas mudaram. O espaço para uma redução dos juros aumentou significativamente. Uma evidência dessa nova realidade é o número expressivo de analistas de corte conservador que defendem, como Alfredo, uma redução dos juros.
Mas a oposição a essa decisão ainda é grande. A maioria da diretoria do Banco Central defende uma atitude conservadora e de serenidade. Sérgio concorda, pois seus modelos ainda mostram uma grande inércia na inflação passada. Como ele, pensam outros economistas que fazem a cabeça do mercado e do Ministério da Fazenda.
Entro nesse debate e digo que o Copom vai manter inalterado o juro Selic. O medo de ser acusado de influência política no caso de decidir por uma redução e sua cultura estatística em relação à inflação vão imobilizá-lo mais uma vez.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC). Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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