São Paulo, domingo, 16 de maio de 2010

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ANÁLISE

Segundo estágio da crise era previsível

NOURIEL ROUBINI
ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

Uma interpretação para as crises financeiras é a de que representam, na expressão de Nassim Taleb, eventos "cisne negro" -ocorrências não planejadas e imprevisíveis que alteram o rumo da história.
Mas, em "Crisis Economics", meu novo livro sobre crises financeiras -que cobre não apenas o mais recente episódio mas dezenas de eventos ao longo da história, tanto em economias avançadas quanto em economias emergentes-, demonstro que elas são eventos "cisne branco", ou seja, que são previsíveis.
O que está acontecendo agora -o segundo estágio da crise financeira mundial- era igualmente previsível.
Crises são o resultado inevitável de um acúmulo de riscos e vulnerabilidades financeiros, macroeconômicos e de política econômica: bolhas de ativos, aceitação de riscos e endividamento excessivos, booms de crédito, política monetária frouxa, falta de fiscalização e regulamentação adequadas do sistema financeiro, cobiça e investimentos arriscados.
A história também sugere que crises financeiras tendem a se transformar com o passar do tempo. Crises como aquela pela qual passamos recentemente são propelidas por dívidas e alavancagem excessiva entre os agentes do setor privado.
Isso resulta em endividamento do setor público e causa perigosa alta nos deficit orçamentários e na dívida pública em circulação.

Desequilíbrios fiscais
Embora medidas de estímulo fiscal e resgate possam ter sido necessárias para impedir que a Grande Recessão se convertesse em uma segunda Grande Depressão, acumular dívida pública por sobre a dívida privada acarreta um alto custo.
Chegará o momento em que esses deficit e dívidas vultuosos terão de ser reduzidos por meio de impostos mais altos e cortes de gastos, e essas medidas de austeridade -necessárias para evitar uma crise fiscal- tendem a desacelerar a recuperação econômica, a curto prazo. Caso os desequilíbrios fiscais não sejam corrigidos por meio de cortes de gastos e aumento na arrecadação, restam apenas duas opções.
Uma é a inflação, para os países que realizam captação em sua própria moeda e podem monetizar sua dívida; outra, a moratória, para os países que tomam empréstimos em moeda estrangeira ou estão impedidos de imprimir dinheiro.
Assim, os recentes acontecimentos na Grécia, em Portugal, na Irlanda, na Itália e na Espanha representam simplesmente o segundo estágio da recente crise financeira mundial.
A socialização de prejuízos privados e o relaxamento fiscal necessários para estimular as economias em crise resultaram em um perigoso acúmulo de deficit orçamentários governamentais e dívida pública. Assim, a recente crise financeira mundial não se encerrou; na verdade, atingiu um estágio novo e mais perigoso.
Uma definição prática de crítica financeira, de fato, é a de um evento que força as autoridades econômicas a passar todo um final de semana tentando desesperadamente anunciar um novo pacote de resgate.

Remédio
A escala dessas operações está se expandindo. Durante a crise financeira asiática, em 1997/1998, a Coreia do Sul recebeu um pacote de resgate do FMI considerado bastante vultoso -US$ 10 bilhões.
Tivemos depois os resgates ao Bear Stearns (US$ 40 bilhões), à Fannie Mae e à Freddie Mac (US$ 200 bilhões) e à AIG (até US$ 250 bilhões) e o auxílio aos bancos norte-americanos (US$ 700 bilhões).
Temos agora o mais imenso dos resgates: US$ 1 trilhão para os membros abalados da zona do euro, com verbas da União Europeia e do FMI (Fundo Monetário Internacional).
Os governos que resgataram empresas privadas agora precisam de resgates. Quem, então, poderá resgatar os governos que resgataram bancos e instituições financeiras privados? A mecânica mundial de nossas dívidas começa a parecer um perigoso esquema de pirâmide.
Embora o remédio correto para evitar o descarrilamento do trem fiscal seja conhecido, a principal restrição à consolidação e disciplina fiscal é que os governos são fracos em todo o mundo e carecem da vontade e do poder político necessários a implementar a austeridade.


NOURIEL ROUBINI é professor de economia na Escola Stern de Administração de Empresas (Universidade de Nova York) e presidente da Roubini Global Economics ( www.roubini.com ).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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