São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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LUÍS NASSIF

As músicas juninas

A nos atrás fui assistir às festas juninas de Aracaju. Parecia um mergulho no tempo, lembrando a minha Poços de Caldas de 40 anos atrás. O sul de Minas ainda era basicamente rural, e o morro do São Benedito fervia com as festas. Montava-se a fogueira, os vizinhos todos se reuniam, tratando-se de "compadres", como se tratavam na vida real. O "compadre" era um tipo constante nas famílias, assim como gestantes que amamentavam uma a filha da outra, para selar pactos de amizade eterna.
Agora, lendo o livro "Festas Juninas, Origem, Tradição, História", de Lúcia Helena Vitalli Rangel, me surpreendo com a universalidade das festas juninas e com as recordações que brotam da leitura. A molecada fantasiada de noivos caipiras, imitando as tradições francesas com aquela verve imbatível que Mazzaropi consagrou. "Caminho da festa", e o povo ia andando. "A ponte quebrou", e o povo voltava; "anariê" (na verdade, "en arrière", do francês "para trás"), e o povo recuava. "Os cavalheiros cumprimentam as damas", e nos toca curvar na frente da dama e alisar o chão com chapéu de palha. "Balancê" e "tur", e os casais ficavam marcando o passo, sem sair do lugar e dançando juntos.
Depois, em frente à fogueira tinha, o pau-de-sebo, a corrida dos sacos, o ovo na colher. As batatas doces eram colocadas na parte de baixo da fogueira, para assar com fogo. A gente comia e soltava pum. Depois, os pinhões, que eu adorava, e as castanhas, muito doces. Além do quentão e do vinhão.
São fascinantes as diversas camadas temporais que compõem o Brasil. As tradições vão desaparecendo nas regiões mais urbanizadas, preservadas pelas escolas, é verdade, e se mantendo em outras. Outro dia, minha prima Terezinha, com uma escola experimental fantástica em Poços, trocou as aulas de educação física por aulas de congada, depois que descobriu que o professor era filho de congo.
Uma viagem pelo Brasil permite diversos mergulhos no tempo. Mas nenhum aspecto me fascinava mais nas festas juninas do que as músicas que elas inspiraram. Minha amiga Roberta Cunha Valente, belíssima pandeirista, levantou com o Roberto Lapiccirella um farto material de músicas juninas para um show, a maioria das quais eu jamais tinha ouvido falar.
Entre os clássicos da minha infância, a campeã era "Pedro, Antonio e João", de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago ("Com a filha de João / Antonio ia se casar / mas Pedro fugiu com a noiva / na hora de ir pro altar"), que se popularizou num filme da Atlântida. "Capelinha de Mão", de João de Barro e Alberto Ribeiro ("Capelinha de melão / é de São João / é de cravo é de rosa / é de manjericão"), era a preferida da molecada. Alberto Ribeiro compôs o clássico "Sonho de Papel" ("O balão vem subindo / vai caindo a garoa / o céu é tão lindo / a noite é tão boa").
Luiz Gonzaga já era um campeão com a ainda hoje imbatível "Olha pro Céu Meu Amor", em parceria com José Fernandes ("Olha pro céu meu amor / Olha como ele está lindo"), que o Dominguinhos canta que é uma lindeza. Assis Valentes foi outro destaque, com "Cai Cai Balão", gravado por Francisco Alves e Aurora Miranda em 1933, e "Acorda São João", de 1934.,
Mas tenho cá para mim que o compositor máximo das músicas juninas foi Lamartine Babo, grande em vários aspectos, nas marchinhas de carnaval, nas valsas, nos hinos de futebol. Mas sua faceta junina é de arrepiar. Especialmente quando interpretado por Carmen Miranda.
Em 56, lançou um LP com músicas juninas, que ajudaram a aquecer os corações mais do que as fogueiras. A música preferida de minha mãe era "Isto É Lá com Santo Antonio" ("Fui pedir numa oração / ao querido São João / que me desse o matrimônio"). Outro clássico foi "Chegou a Hora da Fogueira", de 1933, que ele mesmo gravou com Carmen Miranda.
Mas o Brasil é uma confusão, na hora de se escolher o melhor. Minha preferida, uma das músicas fundamentais da minha vida e das minhas recordações, é "Noites de Junho", de Braguinha e Alberto Ribeiro. Para mim, tem a mesma nostalgia das melhores marchas-rancho, uma melodia que atravessa os ossos e se entranha na alma. A letra que todo poeta gostaria de ter composto: "Noite fria, tão fria de junho / Os balões para o céu vão subindo / Entre as nuvens aos poucos sumindo / Envoltos num tênue véu / Os balões devem ser com certeza / As estrelas daqui desse mundo / E as estrelas do espaço profundo / São os balões lá do céu".



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