São Paulo, domingo, 16 de junho de 2002

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Piora de cenário atrai profecia auto-realizável

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em outubro de 2001, após os atentados terroristas nos Estados Unidos, o mercado financeiro brasileiro viveu crise parecida com a atual. Mas estimativas feitas recentemente sobre o desempenho da economia este ano estão longe do cenário dramático traçado naquela época. O que preocupa, porém, é a piora de previsões, como a que aponta juros reais médios de 11,87% para 2002.
Isso mostra que: 1) o mercado financeiro tem exagerado, 2) começa a surgir o risco de que esse exagero redunde em um cenário econômico de fato pior. É a chamada profecia auto-realizável.
As conclusões foram tiradas por economistas ouvidos pela Folha com base em dados de um estudo do BBV Banco. O departamento de análise econômica do BBV no Brasil está traçando uma evolução das estimativas semanais feitas por analistas desde o início do ano passado, que são coletadas pelo Banco Central.
Os gráficos com a evolução dos dados podem surpreender quem se sente inspirado a comparar o que se passa agora com o que aconteceu depois dos ataques terroristas do ano passado.
Afinal, o risco-país brasileiro -indicador dos juros que o governo paga para conseguir empréstimos fora- ultrapassou 1.300 pontos na última sexta-feira, nível maior que o alcançado em outubro de 2001. O dólar rondou os R$ 2,80, como naquela época.
Mas as estimativas para indicadores econômicos estão longe do fundo do poço que atingiram no segundo semestre de 2001. A atual previsão dos economistas para o PIB (Produto Interno Bruto) em 2002 é de 2,23%. Em outubro do ano passado, chegou a 1,84%.
A previsão para a taxa de juros básicos caiu de 17,38% em outubro para 16,96% no último dia 7. A inflação é exceção, esperava-se no ano passado número inferior que o projetado atualmente.
"Em outubro, o Brasil enfrentava um cenário pior de deterioração, mas a economia acabou reagindo. Agora, nossos fundamentos estão muito melhores", diz o economista Fernando Barbosa, do BBV Banco.
A diferença, explicam economistas, é que, depois dos atentados às torres gêmeas, existia uma ameaça real à economia brasileira. Crescia a certeza de que os Estados Unidos entrariam em recessão, o país ainda vivia os efeitos do racionamento de energia e a crise na Argentina se acentuava.
Agora, o pânico do mercado se explica pelo receio de que Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, ganhe as eleições e não honre os pagamentos de juros da dívida do governo.
O medo é reforçado pela composição perigosa da dívida interna, corrigida principalmente por juros pós-fixados e câmbio e sujeita, portanto, a aumentar sempre que esses indicadores sobem.
"O comportamento do mercado está muito descolado da realidade", diz Alexandre Schwartsman, economista-chefe da BBA Corretora. "O desempenho do balanço de pagamentos melhorou e a inflação começava a ceder", afirma Schwartsman.
Mas o que preocupa os economistas é o risco de que os exageros do mercado, que levaram dólar e risco-país a dispararem, acabem em fundamentos, de fato, piores. Principalmente em um ano em que as expectativas para a economia já não eram das melhores.
Um sinal disso era a estimativa dos economistas do mercado na semana passada para os juros reais (descontada a inflação) médios para este ano. A expectativa é de que fiquem em 11,87%, contra a taxa atual próxima a 10%.
"Os juros reais subirão pois a inflação está caindo, mas a crise reduziu a margem para corte de juros", diz Sandra Utsumi, economista-chefe da BES Securities.
Segundo a economista, a atividade econômica, que já anda lenta, tende a se contrair ainda mais com os juros reais em alta. Ela já considera rever sua projeção de crescimento do PIB para este ano de 2,1% para 1,5%, caso o BC mantenha a taxa de juros inalterada em sua reunião desta semana.



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