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São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

A lógica do "default"

É bobagem tratar como bravata ou anacronismo a possibilidade de reestruturação da dívida pública brasileira, interna ou externa. Ela se imporá por si, mais cedo ou mais tarde. Só um cabeça de planilha poderia supor que o país com as carências do Brasil, precisando urgentemente de recursos para se desenvolver social e economicamente, se confirmará com dez anos de superávit primário de 4,25% para conseguir (se conseguir) equacionar a herança deixada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Uma hora cai a ficha de que será impossível ao país sair do chão, retomar o desenvolvimento sem investimentos básicos em educação, saúde e infra-estrutura. É óbvio que essa possibilidade está presente na cabeça do investidor externo. Senão, como explicar o nível do risco Brasil -cuja queda é comemorada como se, mesmo depois da queda, não continuasse dos mais altos do mundo?
É importante entender algumas peculiaridades desses processos de reestruturação de dívidas. Há processos e processos. Quando a medida decorre de atos populistas ou irrefletidos, provoca a ira e a desconfiança do capital internacional. Quando é inevitável, o processo é outro.
A lógica bancária é a mesma, com pessoas físicas, empresas ou países. Ao sentir o cliente fragilizado, o banco ou pula fora ou, não conseguindo, aumenta o custo da rolagem e trata de tirar o máximo que puder, por uma razão simples: o devedor tem vários credores, e cada qual trata de salvar o seu antes que o outro execute as garantias.
Gradativamente a rolagem da dívida vai encarecendo, porque aumenta o risco do credor. O banco passa a monitorar a relação lucro e o prazo para o "default". É um jogo nervoso, porque, quando o devedor depende do credor para seu capital de giro (situação do Brasil), o "default" pode surgir de um mero estouro da manada. Independe do devedor.
Quando o "default" se torna inevitável, constatada a boa-fé do devedor, a atitude dos bancos é muito pragmática. Analisa se o credor é operacionalmente viável -isto é, se consegue ficar no azul sem a dívida. Se for, ocorre a negociação, politicamente desgastante, é verdade, mas com o credor realizando o prejuízo e começando vida nova. Se a nova situação do devedor for sustentável, não demora muito para os próprios credores do período anterior retornarem com empréstimos.
É só conferir dois momentos da vida nacional. O primeiro, na gestão Bresser Pereira, no governo Sarney, quando se tentou securitizar a dívida externa brasileira e colocá-la no mercado. Bresser caiu e foi substituído pela rotunda incompetência da gestão Mailson da Nóbrega, que abandonou o plano sob a alegação de que a imagem do país ficaria comprometida. Quebrado, o Brasil pagou um caminhão de juros aos credores para entrar em moratória de novo pouco tempo depois. Só depois da securitização, por meio do Plano Brady, o país tornou-se novamente viável e os recursos externos voltaram.
Por isso, as afirmações de Celso Furtado, na semana passada, não podem ser tratadas como bravatas anacrônicas. Trata-se da análise fria, de um dos grandes economistas brasileiros de todos os tempos.

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