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LUÍS NASSIF
A lógica
do "default"
É bobagem tratar como
bravata ou anacronismo a
possibilidade de reestruturação da dívida pública brasileira, interna ou externa. Ela se
imporá por si, mais cedo ou
mais tarde. Só um cabeça de
planilha poderia supor que o
país com as carências do Brasil, precisando urgentemente
de recursos para se desenvolver social e economicamente,
se confirmará com dez anos de
superávit primário de 4,25%
para conseguir (se conseguir)
equacionar a herança deixada
pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Uma hora cai a ficha de que
será impossível ao país sair do
chão, retomar o desenvolvimento sem investimentos básicos em educação, saúde e infra-estrutura. É óbvio que essa
possibilidade está presente na
cabeça do investidor externo.
Senão, como explicar o nível
do risco Brasil -cuja queda é
comemorada como se, mesmo
depois da queda, não continuasse dos mais altos do mundo?
É importante entender algumas peculiaridades desses processos de reestruturação de dívidas. Há processos e processos. Quando a medida decorre
de atos populistas ou irrefletidos, provoca a ira e a desconfiança do capital internacional. Quando é inevitável, o
processo é outro.
A lógica bancária é a mesma, com pessoas físicas, empresas ou países. Ao sentir o
cliente fragilizado, o banco ou
pula fora ou, não conseguindo,
aumenta o custo da rolagem e
trata de tirar o máximo que
puder, por uma razão simples:
o devedor tem vários credores,
e cada qual trata de salvar o
seu antes que o outro execute
as garantias.
Gradativamente a rolagem
da dívida vai encarecendo,
porque aumenta o risco do credor. O banco passa a monitorar a relação lucro e o prazo
para o "default". É um jogo
nervoso, porque, quando o devedor depende do credor para
seu capital de giro (situação do
Brasil), o "default" pode surgir
de um mero estouro da manada. Independe do devedor.
Quando o "default" se torna
inevitável, constatada a boa-fé
do devedor, a atitude dos bancos é muito pragmática. Analisa se o credor é operacionalmente viável -isto é, se consegue ficar no azul sem a dívida.
Se for, ocorre a negociação, politicamente desgastante, é verdade, mas com o credor realizando o prejuízo e começando
vida nova. Se a nova situação
do devedor for sustentável,
não demora muito para os
próprios credores do período
anterior retornarem com empréstimos.
É só conferir dois momentos
da vida nacional. O primeiro,
na gestão Bresser Pereira, no
governo Sarney, quando se
tentou securitizar a dívida externa brasileira e colocá-la no
mercado. Bresser caiu e foi
substituído pela rotunda incompetência da gestão Mailson da Nóbrega, que abandonou o plano sob a alegação de
que a imagem do país ficaria
comprometida. Quebrado, o
Brasil pagou um caminhão de
juros aos credores para entrar
em moratória de novo pouco
tempo depois. Só depois da securitização, por meio do Plano
Brady, o país tornou-se novamente viável e os recursos externos voltaram.
Por isso, as afirmações de
Celso Furtado, na semana passada, não podem ser tratadas
como bravatas anacrônicas.
Trata-se da análise fria, de um
dos grandes economistas brasileiros de todos os tempos.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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