São Paulo, quarta-feira, 16 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Plano 2020: ataque e defesa

PAULO RABELLO DE CASTRO

Os cidadãos eleitores estão visivelmente preocupados. O Brasil, nosso destino, nossa felicidade estão em jogo. Nunca foi tão importante acertar. Contudo a demonização recíproca dos candidatos que ficaram para o segundo turno acentua os naturais receios da sociedade. Em parte, o susto do câmbio a R$ 4,00 reflete isso.
Mas está refletido, também, do ponto de vista "dos mercados", um outro receio velado: o Plano Real acabou, enquanto programa de estabilização; deveríamos estar ingressando na era do crescimento -bônus pelo bom comportamento dos preços-, mas enveredamos pelo escuro caminho de uma estagnação com nova ameaça inflacionária. Portanto é grave.
Muita gente tem me perguntado se tem saída (que não seja a fuga pela porta dos fundos!). A resposta é um sonoro "tem!". Sim, há saída se houver uma conjugação de emoção com razão, na liderança política do país. Mas os interlocutores aprofundam a dúvida: "Mas tem saída com esse candidato?!... e com aquele??". Reconheço que é algo difícil explicar que a escolha do candidato tem importância, sim, mas precisa ser relativizada pelas condições objetivas que o Brasil enfrentará nos próximos meses e anos. A escolha do jogo que o Brasil fará com o resto do mundo e aqui, nesta região em particular, é que parece ser determinante do nosso futuro sucesso ou insucesso.
Explico.
A primeira coisa que o Brasil precisa ter -e não tem ainda, nem adianta procurar, tampouco nos sites dos candidatos- é uma "visão longa". Óbvio que, se questionados, Serra ou Lula responderão algo inteligente. São pessoas preparadas para oferecer boas alternativas verbais a questões complexas. Mas indo mais fundo há evidentes lacunas nesse planejamento político para o Brasil a longo prazo.
Precisamos de um Plano 2020. Precisamos avançar duas vezes 20 anos em menos de 20 anos, ou seja, nos 18 anos que nos separam de 2020 devemos crescer e melhorar a condição de vida da grandíssima maioria, com efeito multiplicador pelo dobro do que seria normal esperar nos próximos anos.
Muito pouco tem sido tratado pelos candidatos a respeito de um Plano 2020 que deveria estar povoando a cabeça e o discurso de ambos.
Falar de 2020 é fundamental para a geração dos empregos prometidos por esses candidatos. Também é evidente que uma "visão longa" atiça a discussão de onde se sacarão os recursos para investimentos necessários ao salto à frente. A educação tem e terá prioridade, mas, além dela, o que mais? E como?
Falar e discutir 2020, resolver as prementes questões de governo com uma visão de 2020 será uma pedagogia fundamental para qualquer das equipes de governo que se sentar à mesa oval do Poder Executivo. O exemplo mais gritante é a administração da moeda, do crédito e da dívida pública, que abarca, é claro, a política cambial. Um Plano 2020 tem que apresentar uma estrutura de ataque e defesa, como no bom futebol. Só ataque ou só defesa nos conduzirão ao desastre ou, no máximo, a um melancólico empate.
Se alguma crítica merece o governo FHC, é que sua equipe jogou na retranca e, agora, está tomando gols inesperados, justo no final do segundo tempo (aliás, segundo mandato). É preciso planejar o ataque. FHC terá sempre uma desculpa aceitável, e só a ele aplicável, de ter sido quem fez a limpeza da sujeirada financeira acumulada em dez anos da maior zorra inflacionária de todos os tempos. FHC foi um homem que também arrumou a cena externa para o próximo presidente jogar bem. Mas esse, que virá agora, não terá a desculpa de ficar na retranca.
Mas aí é que, por coincidência, mora o perigo. Ataque, sim, mas só após reagrupar e reforçar a defesa. Isto é, a defesa financeira externa do país. Não existe ataque sem boa defesa. Essa precede àquela. O país está vulnerável porque o mundo está péssimo. Enxergar e lidar com isso é vital. Parte da defesa, felizmente, este Brasilzão maravilhoso já está propiciando a si mesmo. A balança comercial brasileira tem batido todas as previsões mais otimistas. Em parte, pelo recuo da produção interna, o que é menos bom. Mas a defesa financeira surge quase automaticamente, empurrada pelas exportações. Mas esse mecanismo tem limite. Recessão nunca foi remédio para pagar as nossas contas. O "custo Brasil" tem que ser derrubado. As reservas brasileiras livres precisam caminhar gradualmente para um patamar de US$ 40 bilhões, US$ 60 bilhões e, depois, US$ 70 bilhões ao longo dos próximos anos. País moreninho e emergente não pode ficar sem caixa, sem grana no bolso. Senão a moçada lá fora perde o respeito, como agora, em que os bancos provedores de créditos externos brincam com a nossa sorte (e com a deles!), passando para nós a ficha de maus pagadores, quando são eles os maus emprestadores. Uma inversão de culpa, típica de quem está por cima da carniça. Não poderíamos entrar nesse jogo. Entramos. Precisamos pular fora. Com jeito. Com visão de 2020.
Retornando à mirada longa, vou terminar com duas perguntas de "ataque" aos candidatos (que eles não precisam se incomodar de responder):
1) Como chegar a 2020 com uma renda, por habitante, de US$ 9.000 ao ano (não valendo como resposta aquelas tolices do tipo "tiro dos ricos pra dá pros pobres" e similares)?
2) Que papel estratégico o candidato reserva ao Brasil na América do Sul e como ativar essa eventual potência, não a despeito, mas em consórcio com outros interesses continentais (também não vale a tolice de "abaixo a Alca e fim de papo")?
Se nossos candidatos, no poder e na oposição -porque essa será também fundamental, para a saúde da nossa florida democracia-, puderem enfrentar o desafio do Plano 2020, tanto no ataque como na defesa, confirmar-se-á a suspeita de alguns -poucos, é verdade- investidores nacionais e externos, que insistem mesmo em plena crise atual em perceber este espaço do mundo como uma região que alcançará grande progresso nas próximas décadas. É esperar para ver.


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br


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