São Paulo, sexta-feira, 17 de maio de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pausa no ciclo do Diabo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O mercado financeiro está bem mais calmo no momento em que escrevo esta coluna. Depois de dias turbulentos e de muita especulação, os principais ativos brasileiros encontraram uma nova situação de equilíbrio. O chamado risco Brasil recuou quase cem pontos, a cotação do dólar está abaixo de R$ 2,50, os juros futuros apresentam também uma queda importante e a Bovespa valorizou-se. A divulgação de várias pesquisas sobre intenções de voto dos eleitores, realizadas após o programa de Lula na TV, mostrou a fotografia esperada pelos analistas mais sábios e temida pelos mercados. Lula disparado na frente, quase vencedor no primeiro turno, e o candidato do governo com dificuldades para consolidar-se no segundo lugar.
Por que então a calmaria dos mercados? -devem se perguntar os leitores. Pela simples razão de que, quando se trata de especulação, vale a máxima "compre no boato e venda antes do fato". Foi por isso que a reversão dos mercados veio na terça-feira pela manhã, antes da confirmação dos resultados das pesquisas. Os especuladores mais experientes sabiam de antemão que os resultados seriam confirmados no início da noite, pela simples razão de que todos eles são competentes e têm a assessorá-los pessoas do ramo.
Entraremos agora, depois que o mercado precificou a vitória de Lula com 50% de chance de ocorrer, em um período mais calmo. O candidato do PT chegou ao ponto máximo de sua força por causa das mágicas de Duda Mendonça e deve passar, nos próximos dois meses, por um deserto árido e difícil até o início oficial da campanha eleitoral. Seus opositores, principalmente o senador José Serra, vão ter tempo para fortalecer suas posições e chegar ao início da campanha na TV com um pouco mais de força. Mas esses tempos mais calmos têm data certa para terminar. Em setembro, dependendo de novas aferições do ânimo do eleitor, tudo pode começar de novo na medida em que existe ainda muito espaço para queda nos preços dos ativos brasileiros.
Os próximos 60 dias serão cruciais para o Brasil. Caberá ao PT, nesse curto espaço de tempo, a responsabilidade de mostrar que tem capacidade para assumir a administração da economia sem criar uma bola de neve que pode atingir todos nós. Falo isso com a tranquilidade de quem pensa ser fundamental para nossa democracia a alternância de poder. Não tenho, a priori, nenhuma restrição a Lula presidente. Até porque, como já afirmei nesta coluna, sou um pouco PT. Mas tenho muito medo da gestão petista de nossa economia no ano de 2003. Muito embora tenha havido um claro amadurecimento do partido nos últimos anos, o grau de fragilidade da equipe que deverá formar o núcleo de comando da política econômica de um eventual governo Lula é muito grande. O que sabemos hoje é que o diagnóstico, que eles têm da situação e dos problemas de nossa economia, melhorou muito. As bravatas revolucionárias e socialistas foram abandonadas, e a economia de mercado aceita como o caminho escolhido pela grande maioria dos brasileiros.
Em recente debate com um de seus principais elementos, o economista Guido Mantega, fiquei espantado com a convergência entre seus pensamentos e os do grupo chamado de "desenvolvimentista". Mas essa etapa do diagnóstico é a parte mais fácil na definição de uma política econômica de um governo com a carga negativa que terá o de Lula. Os verdadeiros problemas estão na definição de políticas específicas para lidar com os desafios diagnosticados. Principalmente em um ambiente econômico muito hostil que eles encontrarão. Cotação do dólar nas alturas, risco Brasil a mais de 1.200 pontos inviabilizando a captação de recursos externos, queda de nossas reservas internacionais e inflação em alta são alguns dos pontos da realidade do primeiro ano do governo Lula. A equipe econômica do PT vai descobrir, tarde demais, penso eu, que os desafios que ela pensava encontrar para retomar o crescimento de nossa economia serão muito maiores e mais graves.
Vai perceber, então, que a técnica de Duda Mendonça para cativar os eleitores não tem a menor eficácia quando se enfrenta os pesos pesados dos mercados financeiros internacionais e seus representantes no Brasil. Por isso aconselho, como brasileiro, os seguidores de Lula usarem os próximos 60 dias para detalharem de maneira muito clara os compromissos macroeconômicos do novo governo e submetê-los a um debate público sério. Sem a interferência de Duda Mendonça e sua equipe de encantadores de corações. Aconselho também a trabalharem um programa de ação para 2003 que leve em consideração esse período difícil e duro de transição entre uma equipe econômica amada pelos mercados -embora detestada por boa parte dos brasileiros- e um novo ministério que vai assumir sob enorme má vontade de agentes econômicos importantes. Nesse trabalho têm de estar contempladas as ações para enfrentar a elevação da inflação por causa da disparada do dólar, a perda importante de reservas por causa das dificuldades em rolar nossa dívida externa e, de forma mais geral, uma piora importante na situação já pouco confortável da dívida pública. Se isso não for feito com cuidado e competência, estaremos todos em situação muito difícil.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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