São Paulo, domingo, 17 de maio de 1998

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LUÍS NASSIF
Tiro errado nas teles


Os tiros contra as alterações no processo de privatização do sistema Telebrás estão na direção errada. O problema não é o capital estrangeiro mas a redução dos compromissos com desenvolvimento tecnológico autônomo por parte das futuras concessionárias.
Primeiro, é importante que se relacionem os objetivos dessa privatização:
1) Prover de serviços de telecomunicações eficientes e baratos o maior número possível de brasileiros.
2) Obter o melhor preço possível pelas companhias e concessões vendidas.
3) Garantir que os interesses do país prevaleçam sobre os interesses dos grupos privados que vierem a adquirir empresas do sistema, especialmente no caso de multinacionais, cujas estratégias econômicas têm cunho global.
4) Estimular o desenvolvimento de uma tecnologia nacional, seja para o atendimento de demandas específicas nacionais, seja para exportação.

Sócios e aventureiros
A permissão para que o controle das empresas fique 100% em mãos de capital estrangeiro não prejudica nenhum desses pontos. Pelo contrário, aumenta o valor a ser obtido por parte do Estado brasileiro, sem reduzir em um milímetro as formas de controle sobre as empresas.
Na verdade, a imposição de empresas brasileiras no bloco de controle visava muito mais reduzir as resistências ao processo de privatização, atendendo aos interesses da burguesia nacional, do que aos interesses nacionais em si. Foi uma decisão política, menos danosa que o processo argentino -onde o pedágio aos grupos nacionais foi altíssimo, mas, mesmo assim, comprometia o valor a ser pago ao controlador, a União.
Havia dois tipos de parceiros brasileiros no jogo. Um, aventureiros como a C.R.Almeida, que alugavam o nome em troca de acordos de gaveta, que assegurava o controle a sócio estrangeiro. O dinheiro pago pela operadora internacional a ela era subtraído diretamente do preço oferecido pela concessão.
O segundo grupo de empresas é sério, mas entrou apenas pelo bom negócio. Ficariam algum tempo, não teriam condições nem interesse de acompanhar o aumento de capital, e mais tarde acabariam vendendo sua parte, valorizada, ao parceiro internacional. De qualquer modo, esse custo futuro de carregar o sócio nacional seria considerado pelos investidores internacionais, na hora de fixar o preço.

Controles
Com a obrigatoriedade das empresas terem razão social nacional, ainda que controladas em 100% por capital estrangeiro, haverá quatro formas de controle sobre sua atuação.
A primeira, da própria Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), com seus regulamentos. A segunda, dos acionistas minoritários e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Qualquer ação que significar prejuízo da companhia em detrimento da controladora poderá ser questionada. A terceira, da parte do Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE), para eventuais casos de abuso de poder. A quarta, dos órgãos de defesa do consumidor.
Questão tecnológica
A ponta séria da história é a eliminação da obrigatoriedade de aquisição de até 10% em equipamentos nacionais, e o não atrelamento a nenhuma forma de política tecnológica autóctone.
Está certo que se vivia um período de fechamento econômico e de oligopólios. Mas foi o desenvolvimento de uma tecnologia nacional de central digital de pequeno porte que acabou forçando a queda nos preços de terminais de US$ 1.000 para US$ 150,00.
O grande negócio das telecomunicações, nas próximas décadas, será o controle dos grandes sistemas nas mãos de corporações multinacionais, mas o desenvolvimento de uma constelação de serviços adicionais nas mãos de pequenas e médias empresas de conteúdo tecnológico.
Não se pode entrar nesse novo universo sem uma política clara para o setor.
Estudos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de março de 1996, demonstram que o país logrou desenvolver uma tecnologia competitiva para esse setor. No mercado de comutação pública de pequeno porte, por exemplo, das cinco maiores empresas três são de capital e tecnologia nacional.
Já existem centros de pesquisa competentes no país, seja no âmbito do CPqD, da Telebrás, ou de alguns institutos acadêmicos. Utilizar as novas empresas do setor para alavancar a pesquisa e a tecnologia nacionais não irá afetar o preço das companhias. E poderá trazer uma contribuição inestimável para a ampliação das soluções de telemática a todos os quadrantes da vida nacional.


Email: lnassif@uol.com.br



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