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INTEGRAÇÃO
Cúpula do bloco comercial se reúne hoje e amanhã no Paraguai; objetivo é construir mercado comum até 2006
Mercosul sonha ser "EUA da América do Sul"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO
O Mercosul continua na UTI
para onde foi enviado pela sucessão de crises dos últimos anos,
mas, paradoxalmente, inaugura
hoje sua 24ª reunião de cúpula sonhando alto, muito alto, com uma
integração tão ampla que, de certa
forma, o transforme em uma espécie de "Estados Unidos da
América do Sul".
O encontro dos chefes de governo, hoje e amanhã em Assunção
(Paraguai), tem como pano de
fundo o que o Itamaraty batiza de
"Objetivo 2006": chegar a esse
ano, não por acaso o que marca o
encerramento do governo de Luiz
Inácio Lula da Silva (se não houver reeleição) com pelo menos o
arcabouço de um mercado comum já construído.
Mercado comum é bem mais do
que uma zona de livre comércio e
mais até do que uma união aduaneira, o estágio em que se encontra o Mercosul. Zona de livre comércio significa zerar as tarifas de
importação para o comércio entre
os países-membros. União aduaneira dá um passo além: estabelece uma TEC (Tarifa Externa Comum) para importações provenientes de países não-membros.
Já mercado comum implica
uma integração mais profunda, o
que inclui, se possível, uma moeda única, tema que aparece cada
vez mais repetidamente nos comunicados conjuntos emitidos
pelos governos do Brasil e da Argentina.
Das glórias à UTI
Parece ambição excessiva para
um bloco que passou de "um período de glória, entre os anos de
1992 e 1998, para a UTI", na definição de Gilberto Dupas, um dos
maiores especialistas brasileiros
em política externa.
De fato, o comércio entre o Brasil e seus três parceiros do bloco
comercial caiu do pico de US$
18,5 bilhões atingidos em 1997 para a metade, pouco mais ou menos, no ano passado.
Comércio é sempre o motor de
qualquer processo de integração,
por mais ambiciosas que sejam as
outras metas que passaram a frequentar o dicionário mais recente
do Mercosul.
O que aconteceu para que um
paciente na UTI consiga sonhar
sonhos tão ambiciosos?
Primeiro, mudou o ambiente
político. Tanto no Brasil como na
Argentina assumiram presidentes
profundamente comprometidos
com o Mercosul como prioridade
absoluta de suas agendas externas.
Relações carnais
"Mais empenho do presidente
Lula só ele mantiver relações carnais com o Mercosul", ouviu a Folha no Itamaraty, entre negociadores experimentados.
É uma alusão à expressão que
designava a prioridade que a Argentina deu ao relacionamento
com os Estados Unidos na longa
era Carlos Menem (1989/99).
Agora, "não há nem haverá nenhum tipo de sociedade bilateral
com os Estados Unidos. Qualquer
acordo que viermos a fazer será
como Mercosul", disse o presidente Néstor Kirchner, depois de
sua visita ao colega Lula na semana passada em Brasília.
Além desse novo empenho, há o
fato de que três dos quatro presidentes estão fresquinhos no cargo, o que lhes dá o direito de ter
todas as ilusões que as dificuldades da empreitada eventualmente
derrubam depois.
Lula assumiu há pouco menos
de seis meses; Kirchner, há menos
de um mês; e o paraguaio Nicanor
Duarte Frutos só vai tomar posse
em agosto.
Perfurações
Os sonhos ambiciosos não significam, no entanto, que as dificuldades de sempre tenham sido
deixadas para trás.
Exemplo: a TEC continua tendo
o que o jargão diplomático chama
de "perfurações". Tantas que os
diplomatas dos quatro países-membros costumam chamá-la de
"queijo suíço".
A cúpula de hoje e amanhã buscará "maneiras de retomar a TEC,
essencial para a consolidação da
união aduaneira", diz o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares,
que, como Lula, estréia numa cúpula do Mercosul.
Macedo Soares passou a chefiar
a SGAS (Subsecretaria Geral para
a América do Sul), diretamente
subordinada ao ministro Celso
Amorim e que supervisiona todas
as negociações com os parceiros e
do bloco com outros países.
A cúpula, aliás, servirá também
para a assinatura do que o jargão
diplomático batiza de "acordo-quadro" com a Índia. É um entendimento que fornece a moldura
para a integração. Já há um acordo do tipo com a África do Sul,
mas, com a Índia, está se avançando mais rápido nas medidas concretas.
É resultado da nova ênfase da
diplomacia brasileira na relação
Sul/Sul. Facilita o novo enfoque o
fato de que o Itamaraty e o próprio Mercosul passaram a tratar a
Alca (Área de Livre Comércio das
Américas, típica construção Norte/Sul) como secundária, na comparação com o Mercosul.
No governo anterior também
havia restrições à Alca, mas a
atual administração as explicitou:
para o Brasil ou se reduz a ambição da Alca ou se aumenta o prazo
para chegar a ela, hoje fixado em
2005.
Combina à perfeição com o
"objetivo 2006": o final da negociação Alca poderá encontrar um
Mercosul mais sólido, bem longe
da UTI em que convalesce de sucessivas crises.
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