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São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Churchill como exemplo

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Posso falar um pouco de Churchill de novo? O grande líder inglês tem sido (nem sei por que) uma presença constante nesta coluna. Quando estava pensando no que iria escrever hoje, uma frase me veio à mente: "I would rather see Finance less proud and Industry more content" (Preferiria ver a Finança menos orgulhosa e a Indústria mais contente) -observação que se aplica bem à situação da economia brasileira. De quem seria a frase? De Keynes, talvez? Pesquisei sem sucesso nas obras completas do economista. De repente, baixa uma luz: era Churchill outra vez!
Poucos sabem que esse grande político foi Chancellor of the Exchequer (o equivalente a ministro da Fazenda) entre 1924 e 1929. Não foi das suas melhores fases. Cercado de economistas e financistas ortodoxos do Tesouro e do Banco da Inglaterra, Churchill acabou sendo levado a adotar, contra os seus melhores instintos, uma política econômica rígida, que jogou a Inglaterra na recessão e no desemprego crônico vários anos antes do início da Grande Depressão da década de 30 (do lado de fora do governo, Keynes protestava e espumava inutilmente).
A frase acima citada consta de memorando interno de 1925 em que Churchill expressava sérias dúvidas quanto à sabedoria das políticas preconizadas pela sua assessoria e pelo banco central. "The Governor shows himself perfectly happy", escreveu Churchill na ocasião, "in the spectacle of Britain possessing the finest credit in the world simultaneously with a million and a quarter unemployed" (o presidente do banco central mostra-se perfeitamente feliz com o espetáculo da Grã-Bretanha possuindo o melhor crédito do mundo simultaneamente com 1,250 milhão de desempregados).
Há algumas semelhanças com o quadro brasileiro em 2003. Também aqui precisaríamos de um setor financeiro menos orgulhoso e de uma economia real mais ativa. Também aqui temos um político no comando do Ministério da Fazenda. Cercado de financistas e economistas ortodoxos na Fazenda e no Banco Central, esse político também foi persuadido, por enquanto, a seguir uma linha rigidamente convencional, com grande prejuízo para a indústria, a produção e o emprego. Também aqui o presidente do Banco Central parece feliz e acomodado com o fato de o Brasil registrar grande melhora no seu crédito externo e, ao mesmo tempo, um número crescente de desempregados.
No entanto o comando político do governo está inquieto. O próprio presidente da República avisou, mais de uma vez, que espera mudanças na política econômica. Pode ser que os instintos políticos do ministro Palocci já tenham sido seriamente avariados pelo intenso convívio com a ortodoxia econômico-financeira. Mas é provável, quero crer, que ele também esteja, a exemplo de Churchill, assolado por dúvidas, fazendo perguntas incômodas à sua equipe.
A política econômica conservadora era bastante compreensível nos meses iniciais de 2003. A partir de abril/maio, entretanto, foi ficando cada vez mais evidente que a Fazenda e o Banco Central estavam aplicando uma overdose de contenção fiscal e monetária, o que deprimiu a demanda interna e contribuiu para a exagerada revalorização cambial.
A reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na próxima semana marcará provavelmente a inflexão da política monetária. Acumularam-se, a esta altura, muitas evidências de que o Copom foi conservador demais nas suas últimas reuniões. Será simplesmente espantoso se o Banco Central não diminuir substancialmente a taxa básica de juro na semana que vem.
Ninguém acredita na repetição do erro. Por mais obtuso que possa ser, até um economista ortodoxo termina por reconhecer o óbvio: a economia brasileira precisa urgentemente de uma flexibilização da política macroeconômica.
Isso significa não só reduções nas taxas de juro mas também uma certa suavização da política fiscal. Convenhamos: basta cumprir as metas do acordo com o FMI, que já são bastante ambiciosas. Não é preciso excedê-las, como vem fazendo o governo Lula.
Veja, leitor, a que ponto chegou o Brasil! O novo governo da Argentina estaria, ao que parece, preocupado com o exagerado bom comportamento do governo brasileiro, que contribui para enfraquecer o ministro Lavagna na difícil negociação com o FMI.
Depois de passar anos e anos apontando a Argentina de Menem e Cavallo como exemplo para o Brasil, o FMI agora quer que Kirchner e Lavagna sigam o exemplo de Lula e Palocci...
Dá, às vezes, um certo desânimo. Um fato talvez sintomático e pouco comentado aqui no Brasil é que, na Argentina, o governo Lula começa a ser comparado ao malfadado governo De la Rúa...
É um exagero. Dentro e fora do governo, há muitos brasileiros inconformados, que não permitirão a insistência em adotar políticas econômicas temerárias.
Para terminar, volto a Churchill. Em 1955, ele concluiu um dos seus últimos discursos na Câmara dos Comuns, exortando-nos a enfrentar com bravura as épocas difíceis. Há tempo e esperança, disse ele, se combinarmos paciência e coragem. O tempo virá em que poderemos superar as marcas da "época hedionda em que temos que viver".
"Meanwhile", concluiu, "never flinch, never weary, never despair" (Enquanto isso, nunca recuem, nunca desanimem, nunca desesperem).


Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).

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