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OPINIÃO ECONÔMICA
Churchill como exemplo
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Posso falar um pouco de
Churchill de novo? O grande
líder inglês tem sido (nem sei por
que) uma presença constante nesta coluna. Quando estava pensando no que iria escrever hoje, uma
frase me veio à mente: "I would
rather see Finance less proud and
Industry more content" (Preferiria ver a Finança menos orgulhosa e a Indústria mais contente)
-observação que se aplica bem à
situação da economia brasileira.
De quem seria a frase? De Keynes,
talvez? Pesquisei sem sucesso nas
obras completas do economista.
De repente, baixa uma luz: era
Churchill outra vez!
Poucos sabem que esse grande
político foi Chancellor of the Exchequer (o equivalente a ministro
da Fazenda) entre 1924 e 1929.
Não foi das suas melhores fases.
Cercado de economistas e financistas ortodoxos do Tesouro e do
Banco da Inglaterra, Churchill
acabou sendo levado a adotar,
contra os seus melhores instintos,
uma política econômica rígida,
que jogou a Inglaterra na recessão
e no desemprego crônico vários
anos antes do início da Grande
Depressão da década de 30 (do lado de fora do governo, Keynes
protestava e espumava inutilmente).
A frase acima citada consta de
memorando interno de 1925 em
que Churchill expressava sérias
dúvidas quanto à sabedoria das
políticas preconizadas pela sua
assessoria e pelo banco central.
"The Governor shows himself perfectly happy", escreveu Churchill
na ocasião, "in the spectacle of
Britain possessing the finest credit
in the world simultaneously with
a million and a quarter unemployed" (o presidente do banco central mostra-se perfeitamente feliz
com o espetáculo da Grã-Bretanha possuindo o melhor crédito
do mundo simultaneamente com
1,250 milhão de desempregados).
Há algumas semelhanças com o
quadro brasileiro em 2003. Também aqui precisaríamos de um setor financeiro menos orgulhoso e
de uma economia real mais ativa.
Também aqui temos um político
no comando do Ministério da Fazenda. Cercado de financistas e
economistas ortodoxos na Fazenda e no Banco Central, esse político também foi persuadido, por enquanto, a seguir uma linha rigidamente convencional, com grande prejuízo para a indústria, a
produção e o emprego. Também
aqui o presidente do Banco Central parece feliz e acomodado com
o fato de o Brasil registrar grande
melhora no seu crédito externo e,
ao mesmo tempo, um número
crescente de desempregados.
No entanto o comando político
do governo está inquieto. O próprio presidente da República avisou, mais de uma vez, que espera
mudanças na política econômica.
Pode ser que os instintos políticos
do ministro Palocci já tenham sido seriamente avariados pelo intenso convívio com a ortodoxia
econômico-financeira. Mas é provável, quero crer, que ele também
esteja, a exemplo de Churchill, assolado por dúvidas, fazendo perguntas incômodas à sua equipe.
A política econômica conservadora era bastante compreensível
nos meses iniciais de 2003. A partir de abril/maio, entretanto, foi
ficando cada vez mais evidente
que a Fazenda e o Banco Central
estavam aplicando uma overdose
de contenção fiscal e monetária, o
que deprimiu a demanda interna
e contribuiu para a exagerada revalorização cambial.
A reunião do Copom (Comitê
de Política Monetária do Banco
Central) na próxima semana
marcará provavelmente a inflexão da política monetária. Acumularam-se, a esta altura, muitas
evidências de que o Copom foi
conservador demais nas suas últimas reuniões. Será simplesmente
espantoso se o Banco Central não
diminuir substancialmente a taxa
básica de juro na semana que
vem.
Ninguém acredita na repetição
do erro. Por mais obtuso que possa ser, até um economista ortodoxo termina por reconhecer o óbvio: a economia brasileira precisa
urgentemente de uma flexibilização da política macroeconômica.
Isso significa não só reduções
nas taxas de juro mas também
uma certa suavização da política
fiscal. Convenhamos: basta cumprir as metas do acordo com o
FMI, que já são bastante ambiciosas. Não é preciso excedê-las, como vem fazendo o governo Lula.
Veja, leitor, a que ponto chegou
o Brasil! O novo governo da Argentina estaria, ao que parece,
preocupado com o exagerado
bom comportamento do governo
brasileiro, que contribui para enfraquecer o ministro Lavagna na
difícil negociação com o FMI.
Depois de passar anos e anos
apontando a Argentina de Menem e Cavallo como exemplo para o Brasil, o FMI agora quer que
Kirchner e Lavagna sigam o
exemplo de Lula e Palocci...
Dá, às vezes, um certo desânimo. Um fato talvez sintomático e
pouco comentado aqui no Brasil é
que, na Argentina, o governo Lula
começa a ser comparado ao malfadado governo De la Rúa...
É um exagero. Dentro e fora do
governo, há muitos brasileiros inconformados, que não permitirão
a insistência em adotar políticas
econômicas temerárias.
Para terminar, volto a Churchill. Em 1955, ele concluiu um
dos seus últimos discursos na Câmara dos Comuns, exortando-nos
a enfrentar com bravura as épocas difíceis. Há tempo e esperança,
disse ele, se combinarmos paciência e coragem. O tempo virá em
que poderemos superar as marcas
da "época hedionda em que temos que viver".
"Meanwhile", concluiu, "never
flinch, never weary, never despair" (Enquanto isso, nunca recuem, nunca desanimem, nunca
desesperem).
Paulo Nogueira Batista Jr., 48, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial,
3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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