São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA
A nova realidade energética

LAMARTINE NAVARRO JR.
O atual quadro econômico, que finalmente se apresenta estável e consistente por sua fundamentação na realidade cambial e no livre mercado, provocou grande modificação no contexto dos combustíveis líquidos.
Essa modificação afeta profundamente a área energética; muito especialmente o planejamento de investimentos em curso no setor de petróleo e a orientação desejável da política de preços de combustíveis. É estranho que a ANP, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Desenvolvimento, o Ministério das Minas e Energia e outros órgãos responsáveis até agora não se tenham pronunciado convenientemente sobre assunto de tal relevância para a economia nacional.
A correção do valor do real com relação ao dólar e a estabilização do preço internacional do petróleo em torno de US$ 20/ barril, valor compatível com seus atuais níveis de depleção, tornaram a viabilidade do álcool carburante, em termos empresariais, muito mais próxima à da gasolina.
Nas usinas mais eficientes, com baixo índice de endividamento, o custo médio direto do álcool anidro (exclusive impostos, depreciações e despesas financeiras) é de R$ 0,32/litro, o que resulta em US$ 28/barril, valor praticamente idêntico ao atual custo CIF da gasolina importada.
Verifica-se, portanto, que, além da viabilidade macroeconômica resultante dos efeitos positivos do álcool no que toca à geração de empregos, à poupança de divisas e aos benefícios ecológicos, que até hoje justificaram a manutenção do Proálcool, a nova realidade confere competitividade definitiva, em termos estritamente empresariais, ao combustível renovável.
Concomitantemente, por força do acordo firmado com o FMI, a política interna vigente quanto aos preços dos derivados de petróleo determina que eles acompanhem o preço internacional, o que resulta em um preço-bomba atual para a gasolina de R$ 1,3285/litro.
Lembrando que a gasolina recebe 24% de álcool anidro em mistura e que o preço irreal hoje pago ao produtor é de R$ 0,32/ litro, incluindo custos de transporte, impostos e margens de distribuição e revenda, conclui-se que o álcool anidro está subsidiando a gasolina em R$ 0,16/ litro, o que representa US$ 14/ barril.
No caso do álcool hidratado, a posição atual é muito mais grave e distorcida, porque, com a intempestiva liberação do preço ao produtor (sem se guardar a isonomia com a gasolina, que permanece controlada), as distribuidoras, agindo de forma cartelizada, impuseram preços aos produtores inferiores aos custos diretos de produção. O absurdo da situação é retratado pela simples análise da estrutura de preços, que indica margem de resultado para distribuição e revenda de R$ 0,15 por litro e preço ao produtor, para cobertura de todos os custos de produção, de R$ 0,24 por litro.
Por essa razão, o álcool hidratado, que deveria ser comercializado nas bombas por 75% do preço da gasolina (ou seja, R$ 1/ litro), está sendo ofertado na cidade de São Paulo pelo valor médio de R$ 0,45/litro, o que fatalmente resultará, no médio prazo, em desequilíbrio do mercado de veículos e combustíveis.
O setor sucroalcooleiro, formado por 350 unidades produtoras distribuídas em todo o território nacional, empregando mais de 1 milhão de trabalhadores, descapitalizado e financeiramente inviabilizado por dois anos de comercialização gravosa, tem sido grave e injustamente punido.
Paralelamente, o BNDES pretende disponibilizar US$ 2 bilhões por ano para financiar pesquisa e equipamento de prospecção de petróleo, e a ANP se regozija ao leiloar nossos parcos campos de petróleo para exploração pelas multinacionais.
Enquanto os produtores de álcool se debatem com o preço livre e a falta de uma regulamentação adequada de distribuição da sua produção sazonal, o contrato de exploração de petróleo garante o preço mínimo internacional para as empresas produtoras e cotas de comercialização consoante os volumes reais produzidos.
Tudo isso quando o bom senso e o próprio mercado indicam que o estabelecimento de um preço mínimo e remunerador ao produtor viabilizaria o setor sucroalcooleiro -inclusive recuperando o preço internacional do açúcar, que se encontra no patamar mais baixo dos últimos 15 anos- e ainda permitira margens normais de distribuição e revenda, com ampla gama de arrecadação para o Tesouro Nacional. Sugiro que essa nova realidade seja mais bem discutida pela sociedade.


Lamartine Navarro Jr., 67, engenheiro, é presidente da Cepaal (Coligação das Entidades de Produtores de Açúcar e de Álcool). Foi membro da Comissão Nacional de Energia (governos Figueiredo e Sarney).




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