São Paulo, Terça-feira, 17 de Agosto de 1999
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LUÍS NASSIF

O dia do economista

Sexta-feira passada foi dia do economista. O Conselho Regional de Economia premiou, com justiça, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga. Lançado ontem em São Paulo, o livro "Conversa com Economistas Brasileiros 2" -de Guido Mantega e José Marcio Rego- é outro bom motivo para se refletir sobre a situação atual do pensamento econômico brasileiro, particularmente da orquestração da unanimidade -prática que levou ao prolongamento da política cambial anterior, praticamente quebrando o país e comprometendo seu futuro.
A primeira lição relevante é a insuficiência da análise econômica, quando não consegue avançar além de visões parciais da realidade -como a mera análise dos agregados monetários ou das contas fiscais.
É comum economistas usarem como álibi para o fracasso de planos econômicos a demora do Congresso em aprovar reformas ou a demora da economia em ganhar competitividade. Ora, essa demora é um dado da realidade, que tem obrigatoriamente que ser levado em consideração na implementação de qualquer plano. Se o economista não previu a demora do Congresso, do governo ou da economia, significa que seu conhecimento sobre o ambiente econômico e político era insuficiente. Foi incompetente no diagnóstico e levou ao fracasso da implementação.
É o mesmo que um médico receitar determinado remédio para um paciente, e alegar que os resultados foram nocivos porque o paciente estava subnutrido. Médico competente tem que saber qual o remédio adequado para organismos subnutridos.
O segundo ponto relevante é parar com essa mania de tratar a macroeconomia como ciência exata. Muitos analistas que agora apontam os erros da política cambial anterior cansaram de desqualificar os críticos, especialmente os não iniciados, porque apontavam realidades identificadas pelo simples bom senso. Pareciam dizer: "Você não está vendo isso que você está vendo porque a teoria diz que isso que você está vendo não existe... Seu ignorante!"
Foi esse autismo que levou ao supra-sumo da genialidade dos "novos economistas" -como ironizava o deputado Delfim Netto-, para quem, se um indicador está piorando todo mês, a tendência é melhorar. Fica provado que, quando um indicador está piorando, a tendência é piorar, se não se mudar as condições. Uma breve lição, aprendida ao custo de algumas centenas de bilhões de dólares ao país.

Aposta alta
O terceiro ponto é que, por não ser ciência exata, não se pode fazer apostas como as que foram feitas -que arrebentaram com as contas públicas e criaram uma situação de pré-insolvência da dívida pública-, em cima de promessas vagas de resultado.
É fundamental que os deputados que estão apreciando o anteprojeto da Lei de Responsabilidade Fiscal, aliás, coloquem itens precisos, proibindo esse poder absoluto das autoridades econômicas de fazer endividamentos para sustentar apostas de tal naipe.
O quarto ponto é a necessidade de avaliar as contas públicas como um todo. Economista que divulga sistematicamente dados sobre o déficit da Previdência, como proporção das despesas correntes, e não considera a conta de juros, é tendencioso, não faz ciência, nem análise, nem consultoria: faz política.
O quinto ponto é que as verdades absolutas dos economistas variam de acordo com a ocasião. Já teve início um profundo processo de reavaliação das "virtudes" dos juros altos. Durante 15 anos, esse país foi esmagado pelo peso de políticas monetárias corrosivas, irresponsáveis, que criaram uma geração de rentistas, sob o manto sagrado da ciência. Se não aumentar os juros, a inflação explode. E toca a aumentar os juros, e toca a inflação a explodir.
Agora vai-se chegando, com 15 anos de atraso, às mesmas conclusões de pessoas como Dércio Garcia Munhoz -que, pela coragem de expô-las, era alvo de chacota geral da classe: a de que políticas permanentes de juros altos têm apenas o objetivo de dar grossos lucros aos agentes que vivem de juros altos.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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