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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma janela a ser aproveitada

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

O mundo global está nadando em dinheiro. Por essa razão, os juros, nas maiores economias do planeta, são os mais baixos em muitas décadas. A principal causa dessa situação anômala é a recessão que tomou conta dos países mais importantes, principalmente os Estados Unidos, depois que a bolha especulativa nos mercados de ações estourou, na passagem do século.
A brutal perda de riqueza que se seguiu ao colapso da Nasdaq provocou uma ruptura traumática no processo econômico do mundo desenvolvido. Em razão do arranjo institucional mais eficiente que temos hoje e das lições daqueles anos terríveis, escapamos de uma crise semelhante à que ocorreu em 1929.
A política econômica dos governos, nas principais nações do mundo desenvolvido, não buscou, como foi feito no início dos anos 30 do século passado, o reequilíbrio dos orçamentos públicos por meio do aumento de impostos e da redução de despesas. Os governantes e seus assessores econômicos lembraram-se, certamente, das extraordinárias lições deixadas pelo grande lorde Keynes.
Os dirigentes dos bancos centrais, também conhecedores das lições passadas, expandiram de forma agressiva a liquidez dos sistemas bancários nacionais, deixando de lado o chamado bom senso monetário. O líder desse processo foi o notável Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve. Entendendo, mais cedo do que outros colegas, os perigos de uma depressão econômica nos Estados Unidos, ele declarou publicamente que estava liderando uma guerra santa para trazer de volta a inflação à economia de seu país!
Essa sua ousada batalha foi também motivada pelas lições da desastrosa política econômica japonesa nos anos que se seguiram à ruptura da bolha do mercado de ações e do setor imobiliário. Os japoneses pagam, até hoje, pelos erros cometidos então.
Os juros baixos e a abundância de crédito estimularam os gastos dos consumidores -que são os responsáveis por quase 80% do PIB dos Estados Unidos. O consumo privado vem crescendo a mais de 7% ao ano em 2003. Com esse vigor nos gastos de consumo, a atividade econômica deu um grande salto à frente, e o PIB cresceu a uma taxa de mais de 6% ao ano no trimestre que se encerrou em setembro.
Outro estímulo à retomada do crescimento econômico no mundo desenvolvido veio da nova estrela econômica do século 21: a China. O desenvolvimento do capitalismo no país de Mao Tse-tung, nas últimas décadas, tem sido extraordinário. Mas somente agora, neste início de milênio, a dimensão dos negócios na China passou a ter relevância na economia global. Os números chineses como PIB, exportação, importação, investimentos estrangeiros e reservas externas atingiram um montante expressivo, mesmo quando comparados a economias avançadas como a dos Estados Unidos, a da União Européia e a do Japão.
Em 2003, o crescimento da economia chinesa já representa, em valores absolutos, mais de 15% do aumento do PIB mundial. Portanto suas elevadas taxas de expansão são combustível adicional para a recuperação econômica do mundo. Países como o Japão -que tem mais de 45% de suas exportações de máquinas e equipamentos industriais destinadas a seu vizinho- e mesmo o Brasil estão vendo crescer suas exportações em razão do chamado efeito chinês.
Mas o grande motor para evitar um colapso econômico mais sério tem sido a farta liquidez internacional. Juros baixíssimos e a esperança de que o risco de uma recessão mundial já seja coisa do passado estão permitindo que países tidos como de maior risco político aproveitem para aumentar suas reservas externas em moeda forte. O México tem hoje US$ 50 bilhões; a Índia, US$ 70 bilhões; a Malásia, US$ 35 bilhões, e a Tailândia, quase US$ 40 bilhões.
O Brasil não seguiu esse caminho, ao preferir usar a taxa de câmbio para acelerar o combate à inflação herdada das eleições do ano passado. Mesmo assim, ainda temos tempo para realizar um programa de aumento significativo de nossas reservas. Para tanto, nossas autoridades econômicas precisam desviar sua atenção das miragens financeiras criadas pelos mercados para concentrar suas forças em um programa de compra de dólares por meio da emissão de dívida interna indexada à moeda americana.
E não cair no verdadeiro conto do vigário que seria resgatar, antecipadamente, suas operações de "swap" da Selic pela correção cambial, realizadas há alguns meses com o sistema financeiro.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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