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São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 2003

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NEGOCIAÇÃO

Chanceler diz que conversa entre co-presidentes da Alca foi positiva e que brasileiros "flexibilizaram margens"

Para Amorim, Brasil e EUA voltam ao pragmatismo

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES

Brasil e EUA estão voltando ao pragmatismo nas relações comerciais, diz o chanceler Celso Amorim, com todo o cuidado de quem confessa estar escaldado pelo fato de ter tido essa mesma sensação em momentos anteriores até ser atropelado por duras críticas de Robert Zoellick, chefe do USTr (uma espécie de ministério do comércio exterior americano).
A volta ao pragmatismo, na avaliação do chanceler, se deve ao fato de que foi positivo o diálogo na segunda-feira entre os dois co-presidentes do processo Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o brasileiro Adhemar Bahadian e o norte-americano Peter Allgeier. Mas Amorim diz que, em pelo menos duas ocasiões anteriores, tivera idêntica impressão, logo destruída por intervenções duras de Zoellick.
Bahadian foi discutir o que Amorim chama de "agenda possível" para a Alca, ante a evidência de que, no ritmo em que vinham as negociações, caminhava-se para um redondo fracasso na conferência ministerial marcada para novembro em Miami.
Bahadian não levou uma nova proposta brasileira, mas apresentou "flexibilidade nas margens", diz o chanceler. O que significa? Que o Brasil aceita, por exemplo, discutir todos os capítulos originalmente previstos para a Alca, na dependência do que exatamente cada capítulo vai conter.
Por exemplo: pode-se discutir regras para investimentos, desde que sejam apenas regras que dêem transparência no tratamento ao capital estrangeiro. O que o Brasil não quer são restrições à possibilidade de o país adotar políticas industriais ou direcionar o capital externo para setores que lhe interessa desenvolver.
O que o Brasil não aceita, diz, "é reproduzir o que houve na Rodada Uruguai, em que havia uma linha sobre propriedade intelectual, que acabou gerando um acordo de 70 páginas com itens que não são de nosso interesse".
A proposta tem uma segunda vertente: deixar aberta a possibilidade de que cada país faça os acordos que lhe interessam, sem que eles se tornem obrigatórios para os que não se sentem preparados para aceitá-los. "Não queremos nem uma camisa de força para nós nem para os demais."
Se a relação bilateral voltou ao "pragmatismo", na área externa, o Itamaraty obteve, na visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Buenos Aires, uma seqüência de afirmações que reforçam sua posição no debate interno no próprio governo sobre a Alca.
Primeiro reforço: o Consenso de Buenos Aires, lançado ontem pelos presidentes Lula e Néstor Kirchner, incluiu de última hora uma menção específica à proposta apresentada pelo Mercosul na recente reunião técnica da Alca, em Trinidad e Tobago.
Diz: "Coincidimos em reafirmar a proposta de formato metodológico apresentada pelo Mercosul, por considerar que ela constitui uma alternativa realista que permitirá alcançar um acordo satisfatório em janeiro de 2005" (data prevista para conclusão das negociações).
Foi essa proposta que foi bombardeada pelos EUA e criticada internamente pelo ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, que depois voltou atrás.
Lula introduziu em seu discurso ao Congresso argentino um elogio aos negociadores brasileiros. "Nossos negociadores têm defendido os nossos interesses, sem um espírito de confrontação".
Por fim, o presidente voltou a bater no protecionismo dos países ricos, ao falar a empresários. "Não estamos pedindo favores, mas, já que se fala tanto em livre comércio, que não venham então com barreiras tarifárias para impedir a entrada de nossos produtos", disse, após citar Estados Unidos, União Européia e Japão.
À Folha, o chanceler argentino Rafael Bielsa deu mais uma informação que desmente uma das notícias plantadas durante os últimos dias. Bielsa ligou para Zoellick, ainda durante a reunião da OMC em Cancún, para dizer que a Argentina não participava do ambiente de "anos 70" que o representante norte-americano enxergava no grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil, que já foi G23, mas está agora com 16 participantes.
O telefonema foi interpretado como um descolamento argentino da posição brasileira. Bielsa diz que é o inverso. "Liguei para dizer que não me parecia correto politizar uma proposta tecnicamente correta e profissional [a do então G23]", diz o chanceler argentino.

LEIA MAIS sobre a viagem de Lula no caderno Brasil


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