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OPINIÃO ECONÔMICA
Postscriptum
RUBENS RICUPERO
Quem não teve a experiência, horas depois de um bate-boca difícil, de imaginar várias
respostas que teriam demolido o
adversário se nos tivessem ocorrido antes? É o que invariavelmente sinto ao ler minhas próprias
entrevistas, como a que André
Singer redigiu com invulgar intuição jornalística para a edição
de segunda-feira. Ao menos nesse
caso, a coluna me oferece nova
chance de dizer um pouco melhor
o que só consegui exprimir toscamente.
A entrevista girou em torno da
Alca, Mercosul e negociações comerciais. A mensagem que teria
gostado de transmitir é que temos
de livrar-nos do medo que nos
inspira estratégias defensivas
sempre que nos defrontamos com
tais situações. O temor provém de
boas razões: sabemos que somos
retardatários em muitos setores
da competitividade e que algumas de nossas indústrias não resistiriam se expostas à concorrência dos poderosos. Como, por outro lado, os produtos em que somos competitivos ou enfrentam
barreiras protecionistas intratáveis (aço, suco de laranja e açúcar) ou sofrem do declínio quase
constante de preços (café, cacau,
açúcar -de novo-, minério de
ferro e soja), a relutância de nossa
parte é compreensível.
A longo prazo, contudo, só sairemos do sufoco se tivermos uma
estratégia que concilie dois objetivos: 1º) o equilíbrio das negociações comerciais em matéria de resultados mensuráveis e de prazos
de implementação, de sorte a dar
tratamento comparável aos interesses dos desenvolvidos e aos
nossos (redução ou eliminação
das barreiras a exportações brasileiras nos mercados industrializados, idem em relação aos subsídios que nos impedem de competir em mercados de terceiros); 2º)
a remoção dos obstáculos domésticos à melhoria da competitividade, sobretudo em termos da
quantidade e qualidade da oferta
de bens e serviços exportáveis: investimento excessivamente dispendioso, juros anormalmente
elevados em relação ao resto do
mundo, impostos em cascata,
"custo Brasil" dos serviços de
apoio à exportação, em especial
transportes, portos e infra-estrutura.
O segundo objetivo é até mais
importante que o primeiro, pois
depende mais de nós próprios, enquanto o outro é devido a fatores
sobre os quais não temos controle.
Custará muito esforço e tempo
superar o núcleo duro do protecionismo, o que provavelmente só
há de acontecer em data incerta e
não sabida. A conquista da competitividade não é menos difícil,
mas não poderemos culpar ninguém pelo eventual fracasso. Que
potência estrangeira nos impede
de fazer a reforma tributária, por
exemplo?
Em recente visita ao Brasil, fiquei desolado com dois aspectos
do debate na imprensa. Um foi o
absurdo de discutir a antecipação
de prazos da Alca sem antes definir o conteúdo do que se tenciona
antecipar. A Alca pretende ser um
acordo de livre comércio, definido
pela OMC como cobrindo "substancialmente todos os produtos
do intercâmbio". Será que é mesmo assim? A agricultura vai ser
incluída, o açúcar, o suco de laranja, o tabaco, os produtos sensíveis, a escalada tarifária, o aço,
prejudicado pelas investigações
antidumping e os direitos compensatórios, tudo isso está previsto ou será deixado para as negociações amplas e gerais da OMC?
O problema não é tanto o prazo,
mas saber se é possível chegar a
um acordo satisfatório e equilibrado. Para isso, é necessário que
ele seja um avanço significativo
no acesso de produtos brasileiros
ao mercado dos EUA e dos demais (mediante contrapartida) e
que permita tempo razoável para
adaptação ao novo regime. Se isso
ocorrer, pode-se discutir prazo; do
contrário, não. Fazer concessões
agora, em troca de aleatórias conquistas futuras em Genebra, seria
trocar o certo pelo duvidoso. Não
vejo por que temer: ninguém pode
ser obrigado a agir contra seu interesse.
A outra atitude contra a qual
devemos reagir é justamente o temor excessivo de afirmar nossos
legítimos interesses, o receio de dizer não e ficar isolado. O Brasil
tem de negociar de cabeça erguida, pois, em todas as áreas que citei, os protecionistas estão do outro lado e nós é que gozamos da
posição moral vantajosa, o "moral high ground" dos americanos.
Não há razão para cair em depressão porque o Chile resolveu
fazer o que sempre foi sua preferência: negociar acesso ao mercado americano. Se o resultado violar compromissos da Aladi ou conosco, teremos o direito a compensações. Os vizinhos meridionais podem sentir-se igualmente
tentados, mas, para eles, o mercado brasileiro é fundamental e
muito mais complementar do que
os da América do Norte.
País de comércio exterior diversificado, com quatro mercados de
dimensão equiparável (Europa,
EUA, América Latina e Ásia), o
Brasil poderá jogar em vários tabuleiros se ganhar mais competitividade. Inclusive no dos EUA,
para onde nossas exportações se
expandiram neste ano a uma taxa de mais de 20%. É só deixar de
lado o medo e pôr mãos à obra
para romper de vez essa hipoteca
que nos condena à insegurança, à
dependência em relação a terceiros e à falta de fé em nós mesmos.
Rubens Ricupero, 63, secretário-geral
da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento)
e ex-ministro da Fazenda (governo Itamar Franco), é autor de "O Ponto Ótimo
da Crise" (editora Revan). Escreve aos
domingos nesta coluna.
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