São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2000

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LUÍS NASSIF
Paulinho e os 4 crioulos

Ao longo da história da música brasileira, existem alguns episódios fundamentais, divisores de água. Foi assim com o show "Rosa de Ouro", montado em 1965, e não apenas pelo fato de ter lançado para o Brasil a mais importante referência do samba a partir de então -Paulinho da Viola. Mas também por ter inaugurado oficialmente a cultura do morro no Brasil.
Desde a década de 20, mais expressivamente a partir dos 30, os compositores de morro tiveram papel relevante na música brasileira. Donga, João da Baiana, a Sinhô nos anos 20, a partir dos 30 o brilho de Ismael Silva e as primeiras tentativas de Cartola, nos anos 40 o predomínio de Geraldo Pereira e Wilson Batista, mas sempre interpretados por cantores "brancos".
A partir de meados dos anos 60 é que o morro desce definitivamente para o asfalto. A juventude dourada estudantil da época descobre Zé Keti, a partir do "Opinião", de Nara Leão. Mas é o "Rosa de Ouro" quem inaugura oficialmente o samba como a cultura negra.
Ao lado de Paulinho se apresentaram os "Quatro Crioulos", quatro sambistas de primeiro time pertencentes à Portela e à Mangueira: o imenso Elton Medeiros, Jair do Cavaco, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento. O conjunto acompanhava duas cantoras maiúsculas, a antiga rainha do teatro de revista, Aracy Cortes, e uma senhora já sexagenária, estreante em palco, que se transformaria na maior voz do samba de morro do século: Clementina de Jesus.
Até então, segunda metade dos anos 60, os especialistas em morro dividiam-se sobre o maior sambista de morro da história. Por esta época tem início a redescoberta de Cartola e Nelson Cavaquinho, que passam a ocupar o novo trono.
Quando surge Paulinho da Viola, todas as discussões cessaram. Novíssimo ainda, Paulinho foi ungido como o novo rei do samba, e não apenas pelas composições excepcionais, mas também por sua posição de grande incentivador da cultura negra.
Filho de um dos ícones do choro -o violonista César Faria-, Paulinho não se deixou contaminar pelo preconceito que, em geral, os chorões têm em relação ao samba. Nem se deixou limitar exclusivamente pelo samba de raiz. Por aquele período estudou música e compôs algumas peças clássicas, elaboradíssimas, como "Sinal Fechado" e "Minha Nega", que, além de nome maior do samba, o colocaram no restrito clube dos compositores de primeira linha da MPB.
Não ficou apenas no samba. Nos anos 70 foi um dos estimuladores da recuperação do choro, sendo o responsável pela redescoberta de um dos maiores nomes do choro: Canhoto da Paraíba, bancando um disco fundamental, com Canhoto sendo acompanhado por César Faria. Nos anos 80, influenciado pelo estilo Canhoto, Paulinho compôs alguns choros clássicos.
Até hoje me lembro dele na Feira Permanente de Música Popular, da Tupi (realização de Fernando Faro), organizada com o intuito de relançar Jorge Ben e lançar Paulinho. Venci a eliminatória de julho de 1969. No dia em que me apresentei, Paulinho reapresentou a música que havia vencido a eliminatória de junho: "Foi um Rio que Passou em Minha Vida".
Nosso grupo estava nos camarins, aguardando o resultado do júri, quando Paulinho, o negro erudito, casado com filha de diplomata, o sujeito mais elegante do seu tempo e dos tempos vindouros, pegou do cavaquinho, puxou de um samba e deflagrou a bateria e o requebro das mulatas. E saiu puxando o cordão, pulando miudinho, como se dizia.
Não havia dúvida, era o chefe do terreiro, o rei Congo, o comandante supremo da majestade negra.
A reconstituição dessa história é possível com o lançamento da terceira leva de "A Música Brasileira deste Século", um trabalho histórico do Sesc São Paulo, por Danilo dos Santos Miranda, seu diretor regional (provavelmente o mais importante animador cultural da música brasileira da atualidade), com a coordenação de Pelão, que colocou em CD todos os programas gravados por Fernando Faro com os autores, e também de Arley Pereira.


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