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LUÍS NASSIF
Paulinho e os 4 crioulos
Ao longo da história da
música brasileira, existem
alguns episódios fundamentais,
divisores de água. Foi assim
com o show "Rosa de Ouro",
montado em 1965, e não apenas
pelo fato de ter lançado para o
Brasil a mais importante referência do samba a partir de então -Paulinho da Viola. Mas
também por ter inaugurado oficialmente a cultura do morro no
Brasil.
Desde a década de 20, mais
expressivamente a partir dos 30,
os compositores de morro tiveram papel relevante na música
brasileira. Donga, João da Baiana, a Sinhô nos anos 20, a partir
dos 30 o brilho de Ismael Silva e
as primeiras tentativas de Cartola, nos anos 40 o predomínio
de Geraldo Pereira e Wilson Batista, mas sempre interpretados
por cantores "brancos".
A partir de meados dos anos
60 é que o morro desce definitivamente para o asfalto. A juventude dourada estudantil da
época descobre Zé Keti, a partir
do "Opinião", de Nara Leão.
Mas é o "Rosa de Ouro" quem
inaugura oficialmente o samba
como a cultura negra.
Ao lado de Paulinho se apresentaram os "Quatro Crioulos",
quatro sambistas de primeiro time pertencentes à Portela e à
Mangueira: o imenso Elton Medeiros, Jair do Cavaco, Anescarzinho do Salgueiro e Nelson Sargento. O conjunto acompanhava duas cantoras maiúsculas, a
antiga rainha do teatro de revista, Aracy Cortes, e uma senhora
já sexagenária, estreante em
palco, que se transformaria na
maior voz do samba de morro
do século: Clementina de Jesus.
Até então, segunda metade
dos anos 60, os especialistas em
morro dividiam-se sobre o
maior sambista de morro da
história. Por esta época tem início a redescoberta de Cartola e
Nelson Cavaquinho, que passam a ocupar o novo trono.
Quando surge Paulinho da
Viola, todas as discussões cessaram. Novíssimo ainda, Paulinho foi ungido como o novo rei
do samba, e não apenas pelas
composições excepcionais, mas
também por sua posição de
grande incentivador da cultura
negra.
Filho de um dos ícones do choro -o violonista César Faria-,
Paulinho não se deixou contaminar pelo preconceito que, em
geral, os chorões têm em relação
ao samba. Nem se deixou limitar exclusivamente pelo samba
de raiz. Por aquele período estudou música e compôs algumas
peças clássicas, elaboradíssimas,
como "Sinal Fechado" e "Minha
Nega", que, além de nome
maior do samba, o colocaram
no restrito clube dos compositores de primeira linha da MPB.
Não ficou apenas no samba.
Nos anos 70 foi um dos estimuladores da recuperação do choro, sendo o responsável pela redescoberta de um dos maiores
nomes do choro: Canhoto da
Paraíba, bancando um disco
fundamental, com Canhoto
sendo acompanhado por César
Faria. Nos anos 80, influenciado
pelo estilo Canhoto, Paulinho
compôs alguns choros clássicos.
Até hoje me lembro dele na
Feira Permanente de Música
Popular, da Tupi (realização de
Fernando Faro), organizada
com o intuito de relançar Jorge
Ben e lançar Paulinho. Venci a
eliminatória de julho de 1969.
No dia em que me apresentei,
Paulinho reapresentou a música que havia vencido a eliminatória de junho: "Foi um Rio que
Passou em Minha Vida".
Nosso grupo estava nos camarins, aguardando o resultado do
júri, quando Paulinho, o negro
erudito, casado com filha de diplomata, o sujeito mais elegante
do seu tempo e dos tempos vindouros, pegou do cavaquinho,
puxou de um samba e deflagrou
a bateria e o requebro das mulatas. E saiu puxando o cordão,
pulando miudinho, como se dizia.
Não havia dúvida, era o chefe
do terreiro, o rei Congo, o comandante supremo da majestade negra.
A reconstituição dessa história
é possível com o lançamento da
terceira leva de "A Música Brasileira deste Século", um trabalho histórico do Sesc São Paulo,
por Danilo dos Santos Miranda,
seu diretor regional (provavelmente o mais importante animador cultural da música brasileira da atualidade), com a
coordenação de Pelão, que colocou em CD todos os programas
gravados por Fernando Faro
com os autores, e também de
Arley Pereira.
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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