São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2000

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DISPUTA AMERICANA
Avanço na negociação com EUA às vésperas da cúpula do bloco foi coincidência, diz ministro da Economia
Chile diz que não pode esperar o Mercosul

RICARDO GRINBAUM
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

Durante dez anos o Chile pediu aos Estados Unidos a abertura de negociações para um tratado de livre comércio. Os norte-americanos hesitaram por uma década. Decidiram dar o sinal às vésperas da reunião de cúpula do Mercosul, "por coincidência", diz o ministro da Economia do Chile, Nicolás Eyzaguirre.
O aceno de Washington abalou a estratégia do Mercosul de atrair o Chile como sócio do bloco, com o mesmo status de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. "Se a proposta fosse feita há nove anos, nós a teríamos aceitado há nove anos", diz Eyzaguirre. "Não há nenhuma manipulação dos fatos por parte de ninguém."
Os chilenos passaram o encontro do Mercosul apagando o fogo ateado pela oferta norte-americana. Mas, seja com os EUA, com o Mercosul ou com ambos, uma estratégia está clara para o novo governo de centro-esquerda: no caso do Chile, é preciso aprofundar a abertura comercial.
"A liberalização comercial é o motor do nosso crescimento", disse Eyzaguirre em entrevista à Folha. "Precisamos de crescimento para aumentar os gastos sociais." Segundo o ministro, o governo chileno gasta 70% do orçamento em serviços sociais.

Folha - O anúncio de entendimentos entre o Chile e os EUA inviabiliza a entrada do Chile como sócio pleno do Mercosul?
Nicolás Eyzaguirre -
Não entendemos assim. Hoje, a diferença entre tarifas cobradas sobre importação de produtos impede que o Chile seja membro da união aduaneira (o Chile tem as tarifas mais baixas da região). Isso não significa que não possamos sonhar com a união aduaneira no futuro. A dúvida é o prazo: quanto tempo levaria para os países do Mercosul terem tarifas externas compatíveis com as do Chile? Mas congelar as negociações significaria entender que os países do Mercosul renunciam a continuar reduzindo suas tarifas. Todos os presidentes declararam que há uma vocação de redução tarifária.

Folha - Por que o anúncio da negociação com os EUA foi feito às vésperas da reunião do Mercosul?
Eyzaguirre -
Houve durante dez anos uma promessa por parte dos EUA de oferecer uma rodada de negociações de livre comércio. Essa promessa não havia sido concretizada. Em todo caso, quando fizemos a solicitação para virar membro pleno do Mercosul, sempre dissemos que, enquanto não saísse a união aduaneira (com tarifas externas comuns), nós nos reservaríamos o direito de negociar com terceiros. Não podemos criar um estado de imobilidade esperando que todo o resto do Mercosul se mova para a posição em que estamos agora.

Folha - Mas por que o anúncio da negociação foi feito agora?
Eyzaguirre -
Simplesmente porque agora é que a oferta foi feita pelos EUA. Se fosse feita seis meses atrás, nós a teríamos aceitado seis meses atrás. Se fosse feita nove anos atrás, nós a teríamos aceitado nove anos atrás. Aqui é uma mera coincidência, não há nenhuma manipulação dos fatos por parte de ninguém. Quando a aproximação se materializou, nós retomamos o contato.

Folha - Como fica a negociação com a Alca (Área de Livre Comércio das Américas)? O Chile negocia sozinho com os EUA ou participa como membro do Mercosul?
Eyzaguirre -
A negociação vai depender da conjuntura. Obviamente, se tivermos completado a negociação com os EUA, a situação do Chile vai ser distinta da dos outros 33 países que seriam membros do Alca, mas que não têm acordo de livre comércio com os EUA. De certa maneira, vamos ter a mesma situação do México e Canadá.

Folha - A economia chilena foi modelo para o resto da América Latina no que diz respeito à privatização e à liberalização da economia. Agora, o Chile tem um novo governo. Qual é o modelo que o país vai adotar?
Eyzaguirre -
Basicamente, o governo está continuando, com cautela, o processo de privatização. A preocupação é que, caso ocorra privatização, os usuários sejam devidamente atendidos pelo setor privado. Isso requer uma regulação apropriada. Em alguns setores, temos empresas públicas que são muito dinâmicas, como o caso da Codelco (mineradora de cobre), que não temos nenhuma intenção de privatizar.
Em matéria de comércio internacional, vamos continuar fortemente a liberalizar. Esse é o principal motor de nosso crescimento. Em matéria de política macroeconômica, vamos continuar uma política muito austera, que permita taxas de juros baixas, que mantenha alto o nível de investimentos e de crescimento.

Folha - Quais são os objetivos do governo?
Eyzaguirre -
Somos um governo de centro-esquerda. O crescimento permite abordar o tema fundamental, que é a justiça social. O crescimento dá recursos ao Estado, dá emprego às pessoas e nos permite continuar o que é nossa profunda política social.
Hoje em dia, o gasto público no Chile supera 20% do PIB, e 70% desse gasto público vai para a área social. O gasto social cresce ano a ano pelo fato de que crescemos de 6% a 7% ao ano. O nível de pobreza caiu à metade entre 1990 e 2000. Até 2010, esperamos ser um país desenvolvido. Um país em que todos os filhos que nasçam nessa terra tenham a mesma possibilidade de acesso à saúde e à educação, independentemente do nível de renda de seus lares.

Folha - Como membro de um governo de centro-esquerda, como o sr. avalia o modelo liberal do Chile que foi copiado por países latino-americanos?
Eyzaguirre -
Há que separar os instrumentos e os fins. Privatizar empresas públicas não é um fim em si mesmo. Depende do que se vai fazer e para quê se vai fazer. Se existem empresas públicas que podem ser bem servidas por companhias privadas, não há razão para que não possa ser privatizada. O ponto fundamental é que, se há privatização, esse mercado precisa ser devidamente regulado, porque o objetivo final é servir bem às pessoas.
Há outras área em que somos contrários à liberalização, como, por exemplo, um serviço de saúde dominado pelo setor privado. Também não acreditamos que o setor privado possa ser responsável pelo tema da educação. Portanto, é preciso ter uma mescla pragmática. Não devemos ter posições ideológicas. Em algumas circunstâncias e mercados, a solução do liberalismo é boa; em alguns casos, é ruim. O importante é usar os instrumentos em cada circunstância com o objetivo de dar bem-estar a toda a sociedade.



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