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DISPUTA AMERICANA
Avanço na negociação com EUA às vésperas da cúpula do bloco foi coincidência, diz ministro da Economia
Chile diz que não pode esperar o Mercosul
RICARDO GRINBAUM
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS
Durante dez anos o Chile pediu
aos Estados Unidos a abertura de
negociações para um tratado de
livre comércio. Os norte-americanos hesitaram por uma década.
Decidiram dar o sinal às vésperas
da reunião de cúpula do Mercosul, "por coincidência", diz o ministro da Economia do Chile, Nicolás Eyzaguirre.
O aceno de Washington abalou
a estratégia do Mercosul de atrair
o Chile como sócio do bloco, com
o mesmo status de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. "Se a
proposta fosse feita há nove anos,
nós a teríamos aceitado há nove
anos", diz Eyzaguirre. "Não há
nenhuma manipulação dos fatos
por parte de ninguém."
Os chilenos passaram o encontro do Mercosul apagando o fogo
ateado pela oferta norte-americana. Mas, seja com os EUA, com o
Mercosul ou com ambos, uma estratégia está clara para o novo governo de centro-esquerda: no caso do Chile, é preciso aprofundar
a abertura comercial.
"A liberalização comercial é o
motor do nosso crescimento",
disse Eyzaguirre em entrevista à
Folha. "Precisamos de crescimento para aumentar os gastos
sociais." Segundo o ministro, o
governo chileno gasta 70% do orçamento em serviços sociais.
Folha - O anúncio de entendimentos entre o Chile e os EUA inviabiliza a entrada do Chile como sócio
pleno do Mercosul?
Nicolás Eyzaguirre - Não entendemos assim. Hoje, a diferença
entre tarifas cobradas sobre importação de produtos impede que
o Chile seja membro da união
aduaneira (o Chile tem as tarifas
mais baixas da região). Isso não
significa que não possamos sonhar com a união aduaneira no
futuro. A dúvida é o prazo: quanto tempo levaria para os países do
Mercosul terem tarifas externas
compatíveis com as do Chile? Mas
congelar as negociações significaria entender que os países do
Mercosul renunciam a continuar
reduzindo suas tarifas. Todos os
presidentes declararam que há
uma vocação de redução tarifária.
Folha - Por que o anúncio da negociação com os EUA foi feito às
vésperas da reunião do Mercosul?
Eyzaguirre - Houve durante dez
anos uma promessa por parte dos
EUA de oferecer uma rodada de
negociações de livre comércio.
Essa promessa não havia sido
concretizada. Em todo caso,
quando fizemos a solicitação para
virar membro pleno do Mercosul,
sempre dissemos que, enquanto
não saísse a união aduaneira
(com tarifas externas comuns),
nós nos reservaríamos o direito
de negociar com terceiros. Não
podemos criar um estado de imobilidade esperando que todo o
resto do Mercosul se mova para a
posição em que estamos agora.
Folha - Mas por que o anúncio da
negociação foi feito agora?
Eyzaguirre - Simplesmente porque agora é que a oferta foi feita
pelos EUA. Se fosse feita seis meses atrás, nós a teríamos aceitado
seis meses atrás. Se fosse feita nove anos atrás, nós a teríamos aceitado nove anos atrás. Aqui é uma
mera coincidência, não há nenhuma manipulação dos fatos por
parte de ninguém. Quando a
aproximação se materializou, nós
retomamos o contato.
Folha - Como fica a negociação
com a Alca (Área de Livre Comércio
das Américas)? O Chile negocia sozinho com os EUA ou participa como membro do Mercosul?
Eyzaguirre - A negociação vai
depender da conjuntura. Obviamente, se tivermos completado a
negociação com os EUA, a situação do Chile vai ser distinta da dos
outros 33 países que seriam membros do Alca, mas que não têm
acordo de livre comércio com os
EUA. De certa maneira, vamos ter
a mesma situação do México e
Canadá.
Folha - A economia chilena foi
modelo para o resto da América Latina no que diz respeito à privatização e à liberalização da economia.
Agora, o Chile tem um novo governo. Qual é o modelo que o país vai
adotar?
Eyzaguirre - Basicamente, o governo está continuando, com cautela, o processo de privatização. A
preocupação é que, caso ocorra
privatização, os usuários sejam
devidamente atendidos pelo setor
privado. Isso requer uma regulação apropriada. Em alguns setores, temos empresas públicas que
são muito dinâmicas, como o caso da Codelco (mineradora de cobre), que não temos nenhuma intenção de privatizar.
Em matéria de comércio internacional, vamos continuar fortemente a liberalizar. Esse é o principal motor de nosso crescimento. Em matéria de política macroeconômica, vamos continuar
uma política muito austera, que
permita taxas de juros baixas, que
mantenha alto o nível de investimentos e de crescimento.
Folha - Quais são os objetivos do
governo?
Eyzaguirre - Somos um governo
de centro-esquerda. O crescimento permite abordar o tema fundamental, que é a justiça social. O
crescimento dá recursos ao Estado, dá emprego às pessoas e nos
permite continuar o que é nossa
profunda política social.
Hoje em dia, o gasto público no
Chile supera 20% do PIB, e 70%
desse gasto público vai para a área
social. O gasto social cresce ano a
ano pelo fato de que crescemos de
6% a 7% ao ano. O nível de pobreza caiu à metade entre 1990 e 2000.
Até 2010, esperamos ser um país
desenvolvido. Um país em que todos os filhos que nasçam nessa
terra tenham a mesma possibilidade de acesso à saúde e à educação, independentemente do nível
de renda de seus lares.
Folha - Como membro de um governo de centro-esquerda, como o
sr. avalia o modelo liberal do Chile
que foi copiado por países latino-americanos?
Eyzaguirre - Há que separar os
instrumentos e os fins. Privatizar
empresas públicas não é um fim
em si mesmo. Depende do que se
vai fazer e para quê se vai fazer. Se
existem empresas públicas que
podem ser bem servidas por companhias privadas, não há razão
para que não possa ser privatizada. O ponto fundamental é que, se
há privatização, esse mercado
precisa ser devidamente regulado, porque o objetivo final é servir
bem às pessoas.
Há outras área em que somos
contrários à liberalização, como,
por exemplo, um serviço de saúde
dominado pelo setor privado.
Também não acreditamos que o
setor privado possa ser responsável pelo tema da educação. Portanto, é preciso ter uma mescla
pragmática. Não devemos ter posições ideológicas. Em algumas
circunstâncias e mercados, a solução do liberalismo é boa; em alguns casos, é ruim. O importante
é usar os instrumentos em cada
circunstância com o objetivo de
dar bem-estar a toda a sociedade.
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