São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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ARTIGO

O Brasil não pode pagar com reces são a farra dos ricos

Se a contração do crédito e a aversão ao risco cumprirem o que estão a augurar os pessimistas, de nada valerá manter a taxa de juros elevada para defender o real

LUIZ GONZAGA BELLUZZO
COLUNISTA DA FOLHA

ATÉ AGORA, o Brasil e seu povo usufruíram as benesses do câmbio valorizado. O dólar barato tem sido compensado por preços generosos formados num mercado mundial de commodities superaquecido e especulado. Não há dúvida de que a taxa de câmbio real valorizada e a inflação baixa daí decorrente melhoram o "bem-estar" da população, tanto dos pobres empregados ou beneficiados por políticas sociais eficientes quanto dos ricos de todo o gênero, para não falar dos remediados, que passam a gozar dos benefícios materiais e, espero culturais, de viagens e cursos baratos no estrangeiro.
A valorização foi acompanhada por resultados positivos em conta corrente e por um crescimento mais rápido da demanda doméstica e do emprego, graças à expansão do crédito movida pela ampliação dos prazos. Os otimistas argumentam que, a despeito da valorização do real, o país preservou uma fração importante do aparato industrial e, sobretudo, valeu-se do dinamismo do agronegócio, que respondeu muito rapidamente às transformações ocorridas na divisão internacional do trabalho.
A ascensão econômica da China e dos asiáticos em geral, com dotações de recursos naturais diferentes da nossa, mudou a configuração do comércio internacional. Os termos de troca entre produtos primários e bens manufaturados moveram-se a favor dos países com disponibilidade e diversidade de recursos naturais. Em ambiente de confiança e otimismo, investidores, daqui e de lá, trataram de vender a moeda americana e "comprar" reais. A moeda brasileira e seu juro básico formaram um par atraente para os promotores da sarabanda global.
Vamos aos riscos. A economia global, neste momento, se debate entre as ameaças de "inflação de commodities" e os temores de um "ajustamento japonês" -longo e doloroso- dos preços de ativos, fenômeno típico de um abrangente e exuberante ciclo de crédito em seus estertores.
Muitos apostam no chamado "descolamento" da China. Entendem que o crescimento do Império do Meio e de seus sócios asiáticos sofreria pouco com os redemoinhos da recessão americana. Se assim for, os preços de alimentos e matérias-primas subiriam menos, só o suficiente para manter saudável a balança comercial. Esse é o cenário almejado por otimistas de todos os matizes. Não pode ser descartado. Mas não arrisque todas as fichas nele. Se a inflação de ativos recrudescer, não há como sustentar os preços das commodities. "Há um mito, sobretudo em torno das economias da Ásia, quanto à possibilidade de se descolarem do resto do mundo", diz Harry Krensky, do Atlas Capital Management, "hedge fund" especializado em mercados emergentes. "Não acho que essa história vá funcionar."
Já na esfera financeira, o "ajustamento" dos preços dos ativos, ora em curso nos Estados Unidos, não vai poupar o Brasil. O nível de reservas, o saldo comercial e o superávit em conta corrente (mesmo em queda) podem atenuar os efeitos da crise. Mas não é prudente ignorar o crescimento da participação de ativos líquidos de propriedade estrangeira -Bolsa e renda fixa- no total de ativos financeiros. Nos últimos dias, as trepidações nos mercados globais aconselham os incautos a não subestimar os efeitos domésticos da celebrada "globalização financeira".
Nada de decisões precipitadas. Se a contração do crédito e a aversão ao risco cumprirem o que estão a augurar os pessimistas, de nada valerá manter a taxa de juros elevada para defender o real. Os diretores do Banco Central do Brasil, suponho, dominam a matéria. O "amortecedor" representado pelas reservas deve ser usado com parcimônia. O Brasil não pode pagar, com a recessão doméstica, a farra dos ricos submergentes.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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