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ARTIGO
O Brasil não pode pagar com reces são a farra dos ricos
Se a contração do crédito e a aversão ao risco cumprirem o que estão a augurar os
pessimistas, de nada valerá manter a taxa de juros elevada para defender o real
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
COLUNISTA DA FOLHA
ATÉ AGORA, o Brasil e
seu povo usufruíram as
benesses do câmbio valorizado. O dólar barato tem sido compensado por preços generosos formados num mercado mundial de commodities superaquecido e especulado. Não
há dúvida de que a taxa de câmbio real valorizada e a inflação
baixa daí decorrente melhoram
o "bem-estar" da população,
tanto dos pobres empregados
ou beneficiados por políticas
sociais eficientes quanto dos ricos de todo o gênero, para não
falar dos remediados, que passam a gozar dos benefícios materiais e, espero culturais, de
viagens e cursos baratos no estrangeiro.
A valorização foi acompanhada por resultados positivos
em conta corrente e por um
crescimento mais rápido da demanda doméstica e do emprego, graças à expansão do crédito movida pela ampliação dos
prazos. Os otimistas argumentam que, a despeito da valorização do real, o país preservou
uma fração importante do aparato industrial e, sobretudo, valeu-se do dinamismo do agronegócio, que respondeu muito
rapidamente às transformações ocorridas na divisão internacional do trabalho.
A ascensão econômica da
China e dos asiáticos em geral,
com dotações de recursos naturais diferentes da nossa, mudou
a configuração do comércio internacional. Os termos de troca
entre produtos primários e
bens manufaturados moveram-se a favor dos países com
disponibilidade e diversidade
de recursos naturais. Em ambiente de confiança e otimismo, investidores, daqui e de lá,
trataram de vender a moeda
americana e "comprar" reais. A
moeda brasileira e seu juro básico formaram um par atraente
para os promotores da sarabanda global.
Vamos aos riscos. A economia global, neste momento, se
debate entre as ameaças de "inflação de commodities" e os temores de um "ajustamento japonês" -longo e doloroso-
dos preços de ativos, fenômeno
típico de um abrangente e exuberante ciclo de crédito em
seus estertores.
Muitos apostam no chamado
"descolamento" da China. Entendem que o crescimento do
Império do Meio e de seus sócios asiáticos sofreria pouco
com os redemoinhos da recessão americana. Se assim for, os
preços de alimentos e matérias-primas subiriam menos, só
o suficiente para manter saudável a balança comercial. Esse é
o cenário almejado por otimistas de todos os matizes. Não pode ser descartado. Mas não arrisque todas as fichas nele. Se a
inflação de ativos recrudescer,
não há como sustentar os preços das commodities. "Há um
mito, sobretudo em torno das
economias da Ásia, quanto à
possibilidade de se descolarem
do resto do mundo", diz Harry
Krensky, do Atlas Capital Management, "hedge fund" especializado em mercados emergentes. "Não acho que essa história vá funcionar."
Já na esfera financeira, o
"ajustamento" dos preços dos
ativos, ora em curso nos Estados Unidos, não vai poupar o
Brasil. O nível de reservas, o
saldo comercial e o superávit
em conta corrente (mesmo em
queda) podem atenuar os efeitos da crise. Mas não é prudente ignorar o crescimento da
participação de ativos líquidos
de propriedade estrangeira
-Bolsa e renda fixa- no total
de ativos financeiros. Nos últimos dias, as trepidações nos
mercados globais aconselham
os incautos a não subestimar os
efeitos domésticos da celebrada "globalização financeira".
Nada de decisões precipitadas. Se a contração do crédito e
a aversão ao risco cumprirem o
que estão a augurar os pessimistas, de nada valerá manter a
taxa de juros elevada para defender o real. Os diretores do
Banco Central do Brasil, suponho, dominam a matéria. O
"amortecedor" representado
pelas reservas deve ser usado
com parcimônia. O Brasil não
pode pagar, com a recessão doméstica, a farra dos ricos submergentes.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, 65, é professor titular de Economia da Unicamp (Universidade
Estadual de Campinas). Foi chefe da Secretaria
Especial de Assuntos Econômicos do Ministério
da Fazenda (governo Sarney) e secretário de
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).
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