São Paulo, sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

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ANTONIO CARLOS LEMGRUBER

Exuberância irracional

O capitalismo da exuberância irracional está mais dramático em razão da globalização e da liberdade de mercados

HÁ ALGUNS anos, o ex-presidente do Federal Reserve Alan Greenspan usou a expressão "exuberância irracional" a respeito do exagero na alta de preços das ações nos Estados Unidos, aproveitando termo criado pelo economista Robert Schiller. De fato, verificam-se em certos mercados movimentos de preços que não parecem ter explicação baseada nas leis de oferta e demanda.
Será que a essência do capitalismo -liberdade das forças de mercado na formação de preços- tem esse "defeito"? Temos bolhas demais nos preços de ativos importantes como ações, imóveis, commodities, câmbio?
Sem falar em 1929 -até hoje um período de desemprego e queda de preços que não sai da nossa mente-, tivemos em 1987 num dia apenas queda na Bolsa de Nova York que equivaleria hoje a mais de 3.000 pontos (ou mais de 25%). E se acontecesse de novo? O economista Robert Samuelson anda tão preocupado que disse o seguinte: para 2008, pode-se esperar qualquer coisa. E Paul Samuelson: se você, economista, é obrigado a fazer previsões, faça com muita freqüência.
Hoje em dia, há uma redescoberta de economistas que ficaram na sombra de Keynes e Friedman, tais como Minsky e Pigou. Lá pela década de 30, esses estudiosos descreveram processos irracionais de formação de preços de ativos, que conduzem à formação de bolhas. Mais recentemente, na década de 70, Dornbusch e Jacob Frenkel demonstraram que esse fenômeno aparentemente irracional era muito freqüente no câmbio e nas commodities. Acontece que a taxa de juros é a ligação entre o presente e o futuro.
Portanto, a cada momento, o preço futuro esperado de uma ação ou outro ativo tem de refletir uma relação direta com a taxa de juros. Surge o que Dornbusch denominou "overshooting". Seja com o real, nossa moeda, com uma ação, com um imóvel, o "preço" desse ativo deve atingir um certo nível a cada momento que faça com que a expectativa para esse mesmo preço dentro de 90 dias (por exemplo) produza um "diferencial" em relação a hoje exatamente igual à taxa de juros (no caso do câmbio, deve-se descontar a taxa de juros internacional).
Assim, por exemplo, é preciso que o real tenha uma certa apreciação em relação ao dólar até que, em determinado momento, a expectativa de desvalorização a partir daquele ponto será igual ao diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos. Da mesma forma, o preço da ação XYZ. O mesmo vale para petróleo ou soja.
Surgem as bolhas e a volatilidade em preços importantes como o câmbio, as ações e as commodities.
Não tem jeito: esse é o capitalismo selvagem da exuberância irracional, que está mais dramático em razão da globalização e da liberdade de mercados, valendo frisar a incorporação de novos "players" como China, Índia e Rússia.
Ninguém até hoje explica direito o que aconteceu em 1929 ou em 1987.
Por outro lado, dá um certo conforto o fato de que em geral a evolução dos preços desses ativos tem sido relativamente pouco volátil. Ou seja: essas coisas só acontecem no capitalismo de vez em quando. Resta saber se 2008 vai ser mais parecido com a regra geral de bom comportamento, ou com 1987 nos Estados Unidos, ou com 1971 no Brasil (o país cresceu mais de 10% ao ano durante seis anos entre 1968 e 1973; porém, sem mais nem menos, em 1971 a Bolsa brasileira desabou inexplicavelmente).


ANTONIO CARLOS LEMGRUBER, 60, economista, foi presidente do Banco Central.

alemgruber@uol.com.br

Excepcionalmente, hoje, a coluna de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS não é publicada.


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