|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
'Ajuste ao novo câmbio deve ser imediato'
da Reportagem Local
O economista Alberto Borges
Matias diz que os empresários não
têm muito tempo para fazer os
ajustes depois da desvalorização
cambial. "Para quem está na ponta
de perda, quanto mais demorar
para se ajustar, maior será o prejuízo da empresa", diz.
Matias concedeu entrevista à Folha, no sábado, por telefone, de Ribeirão Preto (SP), onde coordena o
Departamento de Administração
da FEA (Faculdade de Economia e
Administração), da USP.
Folha - Como deverão agir as empresas endividadas em dólar?
Matias - Terão que negociar para
obter prazos maiores. Nas empresas que tenham o vencimento dessas operações agora, o prejuízo estará configurado neste semestre.
Folha - Muitas empresas estão
nessa situação?
Matias - Sim. Essas terão perda
imediata. Acredito que muitas
operações vão ser postergadas, renovadas. Ninguém vai querer arcar com o prejuízo. Elas terão um
período mais para a frente para diluir o prejuízo.
Folha - Essas empresas ficarão
mais atraentes para ser vendidas?
Haverá uma nova onda de aquisições?
Matias - As aquisições se dão notadamente nas empresas endividadas. Haverá um novo movimento
de aquisições, sim.
Folha - Em que segmentos esse
movimento será mais forte?
Matias - O setor primário, que
tem um volume grande de operações "63 caipira" (recursos captados no exterior para repasse interno), é um segmento mais exposto.
No segmento industrial, também
há um volume forte de captações
no exterior. O endividamento das
empresas no exterior cresceu até
mesmo para elas poderem diluir,
no prazo, a queda de vendas.
Folha - As empresas ainda podem
reduzir margens e obter ganhos de
escala?
Matias - As empresas que tenham
produtos exportáveis e estejam endividadas têm uma situação mais
tranquila. O credor deverá postergar esse problema, dependendo da
seguinte equação: quanto a empresa tem a receber e quanto deve ao
exterior.
Folha - Como as empresas mais
precavidas se prepararam?
Matias - As mais expertas foram
fazendo "hedge" (proteção) natural. Ou seja, foram tomando dívidas no montante do que tinham a
receber no exterior. Então, a perda
se anula. Há empresas que trabalham capitalizadas, mesmo com
produtos exportáveis. Exportavam
com recursos próprios, sem assumir dívidas. Essas estão bonitas.
Outras faziam isso tomando recursos no mercado local e também estão bem.
Folha - Quais os segmentos industriais mais afetados?
Matias - Os setores de alimentos
com representatividade grande
nas exportações serão muito beneficiados. Na outra ponta, a indústria montadora, que começou a ter
uma participação maior de insumos importados, e a indústria química são dois segmentos que tendem a ter problemas. A indústria
têxtil básica, fornecedora de fios,
essa vai acabar, em parte, tendo ganhos pela produção local. Mas algumas desativaram suas unidades
fabris.
Folha - Como vai se dar a relação
entre a indústria de autopeças e a
indústria montadora?
Matias - Com substituição mesmo. Vai aumentar a produção local. Em relação aos modelos asiáticos, a Ásia tinha algum superávit
em relação ao mercado brasileiro.
Nesse caso específico, como o nível
de vendas no mercado local é grande, deverá diminuir o prazo de implantação de suas unidades no
mercado local. Vai aumentar a velocidade da nacionalização dos
modelos.
Folha - Como será afetada a indústria de máquinas e de bens de
capital?
Matias - A indústria local, em termos de tecnologia, com raras exceções, foi punida. A indústria estrangeira vinha com mais tecnologia e com preço mais adequado. É
uma briga complicada. Em muitos
casos você não vai poder prescindir de equipamento importado para poder produzir para exportação. E o mercado local se acostumou com modelos novos. Há, hoje, no país equipamentos ditos opcionais com os quais o consumidor
já se acostumou. Terão que ser feitos aqui. E os equipamentos para a
sua produção terão que ser importados. Não sei se a indústria local
terá condições de suprir rapidamente. Tenho minhas dúvidas.
Folha - E a indústria eletrônica?
Matias - Uma grande parte dos
insumos era importada. Esses insumos voltarão a ser produzidos
no mercado local.
Folha - Qual será o efeito das mudanças no comércio varejista?
Matias - Em termos de faturamento, não deverá haver grandes
complicações. Haverá apenas a
substituição de produtos na prateleira. Os produtos importados serão substituídos pelos locais.
Folha - Haverá espaço para remarcações de preços?
Matias - A partir do momento em
que você não tem aumento de preço sancionado por aumento monetário, não há condições para remarcações. Se alguém tentar fazer
aumento de preço, o consumidor,
que não teve aumento de salário,
simplesmente não vai comprar.
Folha - Na negociação entre os
fornecedores e o comércio, quem
estará em posição mais vantajosa?
Matias - O comércio, porque está
junto do consumidor. Quem define o jogo, hoje, é o consumidor.
Folha - As empresas ainda têm
gordura para queimar?
Matias - Não.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|