São Paulo, segunda, 18 de janeiro de 1999

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'Ajuste ao novo câmbio deve ser imediato'

da Reportagem Local

O economista Alberto Borges Matias diz que os empresários não têm muito tempo para fazer os ajustes depois da desvalorização cambial. "Para quem está na ponta de perda, quanto mais demorar para se ajustar, maior será o prejuízo da empresa", diz.
Matias concedeu entrevista à Folha, no sábado, por telefone, de Ribeirão Preto (SP), onde coordena o Departamento de Administração da FEA (Faculdade de Economia e Administração), da USP.

Folha - Como deverão agir as empresas endividadas em dólar?
Matias -
Terão que negociar para obter prazos maiores. Nas empresas que tenham o vencimento dessas operações agora, o prejuízo estará configurado neste semestre.
Folha - Muitas empresas estão nessa situação?
Matias -
Sim. Essas terão perda imediata. Acredito que muitas operações vão ser postergadas, renovadas. Ninguém vai querer arcar com o prejuízo. Elas terão um período mais para a frente para diluir o prejuízo.
Folha - Essas empresas ficarão mais atraentes para ser vendidas? Haverá uma nova onda de aquisições?
Matias -
As aquisições se dão notadamente nas empresas endividadas. Haverá um novo movimento de aquisições, sim.
Folha - Em que segmentos esse movimento será mais forte?
Matias -
O setor primário, que tem um volume grande de operações "63 caipira" (recursos captados no exterior para repasse interno), é um segmento mais exposto. No segmento industrial, também há um volume forte de captações no exterior. O endividamento das empresas no exterior cresceu até mesmo para elas poderem diluir, no prazo, a queda de vendas.
Folha - As empresas ainda podem reduzir margens e obter ganhos de escala?
Matias -
As empresas que tenham produtos exportáveis e estejam endividadas têm uma situação mais tranquila. O credor deverá postergar esse problema, dependendo da seguinte equação: quanto a empresa tem a receber e quanto deve ao exterior.
Folha - Como as empresas mais precavidas se prepararam?
Matias -
As mais expertas foram fazendo "hedge" (proteção) natural. Ou seja, foram tomando dívidas no montante do que tinham a receber no exterior. Então, a perda se anula. Há empresas que trabalham capitalizadas, mesmo com produtos exportáveis. Exportavam com recursos próprios, sem assumir dívidas. Essas estão bonitas. Outras faziam isso tomando recursos no mercado local e também estão bem.
Folha - Quais os segmentos industriais mais afetados?
Matias -
Os setores de alimentos com representatividade grande nas exportações serão muito beneficiados. Na outra ponta, a indústria montadora, que começou a ter uma participação maior de insumos importados, e a indústria química são dois segmentos que tendem a ter problemas. A indústria têxtil básica, fornecedora de fios, essa vai acabar, em parte, tendo ganhos pela produção local. Mas algumas desativaram suas unidades fabris.
Folha - Como vai se dar a relação entre a indústria de autopeças e a indústria montadora?
Matias -
Com substituição mesmo. Vai aumentar a produção local. Em relação aos modelos asiáticos, a Ásia tinha algum superávit em relação ao mercado brasileiro. Nesse caso específico, como o nível de vendas no mercado local é grande, deverá diminuir o prazo de implantação de suas unidades no mercado local. Vai aumentar a velocidade da nacionalização dos modelos.
Folha - Como será afetada a indústria de máquinas e de bens de capital?
Matias -
A indústria local, em termos de tecnologia, com raras exceções, foi punida. A indústria estrangeira vinha com mais tecnologia e com preço mais adequado. É uma briga complicada. Em muitos casos você não vai poder prescindir de equipamento importado para poder produzir para exportação. E o mercado local se acostumou com modelos novos. Há, hoje, no país equipamentos ditos opcionais com os quais o consumidor já se acostumou. Terão que ser feitos aqui. E os equipamentos para a sua produção terão que ser importados. Não sei se a indústria local terá condições de suprir rapidamente. Tenho minhas dúvidas.
Folha - E a indústria eletrônica?
Matias -
Uma grande parte dos insumos era importada. Esses insumos voltarão a ser produzidos no mercado local.
Folha - Qual será o efeito das mudanças no comércio varejista?
Matias -
Em termos de faturamento, não deverá haver grandes complicações. Haverá apenas a substituição de produtos na prateleira. Os produtos importados serão substituídos pelos locais.
Folha - Haverá espaço para remarcações de preços?
Matias -
A partir do momento em que você não tem aumento de preço sancionado por aumento monetário, não há condições para remarcações. Se alguém tentar fazer aumento de preço, o consumidor, que não teve aumento de salário, simplesmente não vai comprar.
Folha - Na negociação entre os fornecedores e o comércio, quem estará em posição mais vantajosa?
Matias -
O comércio, porque está junto do consumidor. Quem define o jogo, hoje, é o consumidor.
Folha - As empresas ainda têm gordura para queimar?
Matias -
Não.



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