UOL


São Paulo, terça-feira, 18 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Para José Senna, Selic sobe 1,5 ponto agora e deverá se elevar em março

Carol Carquejeiro - 21.out.02/"Valor"
O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores Associados, que prevê mais alta dos juros


DO PAINEL S.A.

Na última reunião do Copom, o economista José Júlio Senna, 56, sócio-diretor da MCM Consultores Associados, acertou em cheio. Ele foi um dos poucos que previu um aumento de 0,5 ponto percentual dos juros. Agora, às vésperas de nova reunião do Copom, Senna prevê novo aumento. Desta vez, o sinal será mais duro. Para ele, pode ser até de 150 pontos -ou seja, 1,5 ponto percentual.
Senna, cujo nome chegou a ser cogitado para a presidência do Banco Central do governo Lula, acha que, dificilmente, no primeiro semestre, haverá uma queda dos juros. "Nesta e na próxima reunião, deverá haver aumento dos juros", afirma o economista.
(GUILHERME BARROS)

Folha - Qual é sua previsão para a reunião do Copom?
José Júlio Senna -
Desde janeiro do ano passado, na primeira carta aberta do presidente do Banco Central para o ministro da Fazenda explicando por que a meta de inflação não foi atingida, ficou muito claro que o BC define os juros ao comparar a projeção de inflação com a meta definida para o ano. Na última reunião, por exemplo, ficou claro que o modelo do BC projetava uma inflação mais alta do que a meta. Muito provavelmente isso vai acontecer de novo. A meta ajustada a gente conhece, que é de 8,5 %, e é muito provável que a inflação projetada para este ano seja de superior a 10%, e isso fatalmente irá exigir um aumento de taxa de juros.

Folha - Em que proporção?
Senna -
Entre os dois últimos Copons, a expectativa de inflação subiu de 11,2% para 12%. Subiu, portanto, 80 pontos. Na fase em que estamos, precisamos de um aumento de juro real. Ou seja, o juro nominal tem de subir pelo menos cem pontos, ou seja, um ponto percentual. Acho que o aumento será alguma coisa como 100, 150 pontos. O sinal, agora, precisa ser mais forte. As chances de uma redução da taxa de juros neste semestre são muito baixas. Eu não consigo ver espaço para uma queda no primeiro semestre. Nós devemos ter aumentos de juros nesta e provavelmente na reunião seguinte do Copom.

Folha - Isso, independentemente de ter ou não guerra?
Senna -
Eu diria que independentemente de ter ou não guerra.

Folha - Se houver guerra, então, os juros vão dobrar?
Senna -
É muito difícil prever o que acontecerá no caso de uma guerra. Grande parte desse fenômeno já está incorporado nos preços de alguma maneira. Se houver guerra, as pessoas não vão poder dizer que não sabiam dessa possibilidade. Guerra é algo trágico, que se sabe como entra, mas não como sai. Eu não arriscaria fazer uma previsão. O cenário que estou traçando independe de haver guerra ou não. A chave no nosso regime chama-se expectativa de inflação. E é essa variável que precisa ser controlada. A guerra pode complicar muito.

Folha - O Brasil talvez seja o único país do mundo que nos últimos dois anos tenha subido os juros. O mundo todo está errado?
Senna -
É verdade. A Europa baixou juros, os Estados Unidos... O problema é que a gente tem de trabalhar dentro do arcabouço que está disponível. E o arcabouço disponível é o modelo de "inflation targeting" [metas de inflação", que tem seus critérios. Se o modelo aponta que a inflação está acima da meta, não tem jeito. O juro tem de subir. E o que está fazendo o modelo apontar inflações mais altas? É o fato de as expectativas de inflação não estarem ainda controladas. Essas expectativas vêm subindo seguidamente. Houve até um período em que estacionaram, em janeiro, mas voltaram a subir novamente. Desde setembro do ano passado, as expectativas de inflação são crescentes. Em setembro, a pesquisa revelava inflação de 5,5% projetada para 2003. Hoje, já está em 12%. Por isso, essa política ortodoxa que está sendo posta em prática está correta. Só não foi ainda suficiente para convencer as pessoas de que a inflação vai ser de fato domada. Isso é até compreensível. Numa nova administração, leva tempo mesmo para os BCs construírem sua reputação. E é esse o fenômeno que está sendo criado. O que o Banco Central tem de fazer é insistir nessa política.

Folha - Mas a recessão não é suficiente para segurar os preços?
Senna -
A atividade econômica está mais fraca agora. Os sinais do início do ano são de que voltou a arrefecer o ritmo de crescimento, e isso já está sendo levado em conta no modelo do Banco Central na escolha da meta ajustada. Se o BC tivesse sido fiel à meta que já estava estipulada e não tivesse feito a correção, nós estaríamos perseguindo uma política muito mais austera, que provocaria uma desaceleração econômica ainda maior. A inflação projetada continua lamentavelmente superior à meta ajustada. Se o BC decidir manter os juros, o que vai acontecer é que, provavelmente, as expectativas de inflação piorem mais ainda e nós vamos acabar tendo que conviver com níveis de inflação muito mais altos do que estamos dispostos a suportar. Isso seria ainda muito mais prejudicial para a economia brasileira.

Folha - Foi um erro adotar o regime de metas de inflação?
Senna -
Não, eu acho que não. O Brasil, apesar de toda essa sequência de choques, só conseguiu manter taxas de inflação relativamente baixas por causa do regime de metas de inflação. Se não tivéssemos implementado o regime de metas de inflação, eu acredito que a situação seria muito pior.

Folha - Não foram muito rigorosas as metas? Outros países que adotaram a meta de inflação não foram tão rigorosos como o Brasil.
Senna -
Eu diria que elas foram ambiciosas talvez até por um erro de, no passado, o Banco Central ter esticado demais a corda do regime de câmbio fixo, o que acabou gerando uma inflação zero, mas que depois se viu que se tratava de um movimento artificial, calcado numa política cambial irrealista. O Brasil não deveria ter mirado zero de inflação.


Texto Anterior: Analistas e contratos futuros apontam novo aumento da taxa
Próximo Texto: Opinião de base: Radicais e moderados não se entendem sobre elevação dos juros
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.