UOL


São Paulo, terça-feira, 18 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA

Envelheçam!

BENJAMIN STEINBRUCH

O escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues costumava implicar muito com os jovens. Isso era uma espécie de cacoete teatral dele. Um belo dia, dava uma entrevista na televisão a Otto Lara Resende. Para terminar a conversa, só para provocá-lo, Otto Lara fez a seguinte pergunta:
"Do alto de sua experiência, que conselho daria aos jovens?".
Nelson Rodrigues fez longo silêncio, uma de suas características, e, com aquela voz rouca, que parecia vir do além, respondeu:
"Envelheeeeçam!".
A morte desse genial e polêmico brasileiro foi em dezembro de 1980. Não viveu, portanto, para ver a ascensão do Partido dos Trabalhadores nas duas décadas seguintes. Mas sua frase concisa é útil para entender o que vem ocorrendo com o PT nos últimos anos e nestes primeiros meses de governo: envelhecimento.
Envelhecer tem vantagens e desvantagens. No sentido rodriguiano, significa adquirir maturidade para ver o mundo sem radicalismos juvenis. É uma qualidade. Mas, num sentido mais amplo, pode representar fraqueza, à medida que isso elimina o ímpeto realizador dos jovens.
Nesses quase 80 dias de governo, Lula e o PT mostraram-se mais envelhecidos e muito mais moderados do que se poderia esperar. Os lances iniciais foram surpreendentemente conservadores: dois aumentos seguidos da taxa de juros, corte orçamentário e aumento de superávit primário.
A maior surpresa positiva do governo Lula é o próprio Lula, que tem demonstrado enorme habilidade para o diálogo. Recebe a todos, fala com todos, do diretor do Fundo Monetário Internacional ao favelado do Nordeste. Os prefeitos de todo o país fizeram na semana passada a sua Marcha em Defesa dos Municípios. Era a sexta edição desse evento, que sempre teve uma certa conotação de protesto contra o governo central. Por isso, nunca antes um presidente da República havia se dado ao luxo de ouvir os manifestantes. Mas Lula estava lá para responder às dúvidas dos prefeitos e, além disso, anunciar uma aplicação de US$ 1,4 bilhão em obras de saneamento e infra-estrutura.
O diretor-gerente do FMI, Horst Köhler, disse na semana passada que Lula é um "líder genuíno", que estabeleceu uma agenda correta de crescimento e estabilidade macroeconômica com justiça social. Talvez seja desconcertante para Lula receber elogios tão rasgados de uma entidade execrada no passado pelo PT. Mais desconcertante ainda devem ser as críticas vindas do outro lado, daqueles que até agora se decepcionaram com as medidas sociais do governo, como o programa Fome Zero, que praticamente não andou.
As pesquisas mostram que, por conta das críticas, a popularidade de Lula já baixou. Mas é absurdo tentar julgar um governo que apenas começou. O envelhecimento e a maturidade do PT foram bons para o país. Acalmaram os mercados, estabilizaram as expectativas, seguraram o dólar. Agora, porém, o novo governo precisa começar a retomar sua rebeldia juvenil, para tocar rapidamente as reformas necessárias e, na sequência, as medidas para estimular o crescimento econômico.
A inflação, afinal, já deu sinais claros de que está em queda. O dólar baixou, na semana passada, ao menor nível desde janeiro. Mesmo com a expectativa do início da guerra no Iraque, que certamente afetará de forma negativa a economia, cabe a Lula tocar a parte impetuosa do seu programa. Não custa lembrar que esse governo foi eleito porque assumiu compromissos diretos e desafiadores, como criar 1 milhão ou 2 milhões de novos empregos no primeiro ano de mandato, construir 1 milhão de habitações, produzir 120 milhões de toneladas de grãos em dois anos e dobrar o salário mínimo em quatro anos.
Compromissos como esses não são dogmas. Podem e devem, por questão de bom senso, ser maleáveis em razão da conjuntura. O que não pode mudar é o princípio estabelecido, de que se deve jogar, sempre que possível, no ataque em matéria de política econômica. Por falta de apetite para o crescimento, o governo anterior jogou na retranca e perdeu algumas oportunidades de baixar juros e estimular a expansão da economia. Seria bom que isso não se repetisse.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional. E-mail - bvictoria@psi.com.br


Texto Anterior: Brasil já prepara plano para gasolina
Próximo Texto: Imposto de renda: Códigos de profissões são mantidos
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.