São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

O Brasil não cabe no quintal de ninguém

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Esta coluna tem-se dedicado recorrentemente -e com justiça, acredito- a desancar a política econômica do governo. Mas a verdade, caro leitor, é que a oposição também não brilha.
Napoleão disse certa vez que na guerra, assim como na prostituição, não é incomum que os amadores superem os profissionais. Em economia, isso acontece muito raramente. Não obstante os candidatos de oposição à Presidência da República parecem às vezes acreditar na possibilidade de estender a tese napoleônica aos temas econômicos.
Ciro Gomes, por exemplo, começou a campanha proclamando o caráter explosivo do problema da dívida interna. Propôs ampla renegociação dessa dívida, provocando temores de uma reedição do famigerado confisco do Plano Collor 1, de março de 1990. Assustado com a repercussão, o candidato acabou recuando para propostas mais modestas. Agora, fala em alongar voluntariamente os débitos do governo, oferecendo taxas de juro mais altas aos credores que aceitarem papéis de prazo mais longo. A montanha pariu um rato.
O risco, de qualquer maneira, é enveredar pelo caminho tomado pela Argentina na fase final da desastrosa gestão de Domingo Cavallo, em 2001. A tentativa de alongar a dívida e postergar certos pagamentos, em um ambiente de desconfiança crescente, levou a ruinosas operações semivoluntárias de "megacanje" (megatroca) de títulos públicos, que aumentaram substancialmente as taxas de juro incidentes sobre a dívida pública argentina.
Em matéria de economia, o PT também dá as suas mancadas. A trajetória dos principais porta-vozes econômicos do partido está repleta de episódios constrangedores. O economista Aloizio Mercadante, por exemplo, cobriu de elogios o Plano Collor 1, logo após a sua decretação, causando espanto na opinião pública e em vários setores do próprio PT. Na campanha de 1994, os principais economistas do PT previram o rápido colapso do Plano Real, então em gestação, não percebendo a ameaça que a estabilização monetária representaria para a candidatura Lula.
Escaldado por três derrotas sucessivas, Lula está mais experiente e cauteloso. Os economistas do PT têm sido mais discretos. Não querem assustar os mercados financeiros e, muito menos, desagradar aos EUA, que são a "Nova Roma", segundo Fernando Henrique Cardoso. A principal preocupação de alguns economistas petistas é mostrar-se como eminentemente confiáveis e inofensivos.
Nesse ambiente, não seria nenhuma surpresa se representantes econômicos do PT se dispusessem a negociar as permanências de Armínio Fraga e do resto da turma do "green card" no comando do Banco Central em um eventual governo Lula. Seria, quem sabe?, uma forma de conquistar o "nihil obstat" da "Nova Roma" à nomeação de algum deles para o cargo de ministro da Fazenda.
Do lado do governo, não haveria dificuldades para uma transação desse tipo. Pedro Malan deixou claro que quer pendurar as chuteiras, mas Armínio Fraga está ansioso para continuar em campo. E, dos EUA, chegam a toda hora sinais de que a sua continuação seria muito bem-vinda. A recente viagem do presidente do Banco Central a Washington teve a finalidade não-declarada, porém óbvia, de favorecer a sua pretensão de permanecer no cargo, independentemente de quem vença as eleições.
Outra forma de bajular os EUA é dar declarações tranquilizadoras sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Em recente debate patrocinado pela Folha, o secretário das Finanças da prefeitura petista de São Paulo, João Sayad, declarou que o Brasil não pode dar as costas para a Alca. "Não podemos correr o risco de ser uma Albânia na América Latina", disse o secretário.
Veja, leitor, o absurdo. A Albânia tem uma economia insignificante. Em termos de extensão geográfica e população, é comparável a Alagoas. Muito mais razoável foi a afirmação de Otto Reich, secretário-adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental do governo dos EUA, em entrevista à revista "Época" da semana passada. Reich declarou, com todas as letras, o que é óbvio para quem tem um mínimo de noção do peso relativo do país-continente chamado Brasil: "Não há Alca sem o Brasil".
Não vamos esquecer o que dizia Nelson Rodrigues: "Se o Brasil não existisse, o Piauí e o Ceará seriam grandes nações sul-americanas; Madureira seria outro grande do continente".
O Brasil não cabe no quintal de ninguém. Apesar disso, muitas das lideranças políticas e econômicas brasileiras, inclusive na oposição, disputam a tapa a possibilidade de servir como procônsules da "Nova Roma".


Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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