|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
O Brasil não cabe no quintal de ninguém
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Esta coluna tem-se dedicado recorrentemente -e com
justiça, acredito- a desancar a
política econômica do governo.
Mas a verdade, caro leitor, é que a
oposição também não brilha.
Napoleão disse certa vez que na
guerra, assim como na prostituição, não é incomum que os amadores superem os profissionais.
Em economia, isso acontece muito raramente. Não obstante os
candidatos de oposição à Presidência da República parecem às
vezes acreditar na possibilidade
de estender a tese napoleônica
aos temas econômicos.
Ciro Gomes, por exemplo, começou a campanha proclamando
o caráter explosivo do problema
da dívida interna. Propôs ampla
renegociação dessa dívida, provocando temores de uma reedição
do famigerado confisco do Plano
Collor 1, de março de 1990. Assustado com a repercussão, o candidato acabou recuando para propostas mais modestas. Agora, fala
em alongar voluntariamente os
débitos do governo, oferecendo
taxas de juro mais altas aos credores que aceitarem papéis de
prazo mais longo. A montanha
pariu um rato.
O risco, de qualquer maneira, é
enveredar pelo caminho tomado
pela Argentina na fase final da
desastrosa gestão de Domingo
Cavallo, em 2001. A tentativa de
alongar a dívida e postergar certos pagamentos, em um ambiente
de desconfiança crescente, levou a
ruinosas operações semivoluntárias de "megacanje" (megatroca)
de títulos públicos, que aumentaram substancialmente as taxas de
juro incidentes sobre a dívida pública argentina.
Em matéria de economia, o PT
também dá as suas mancadas. A
trajetória dos principais porta-vozes econômicos do partido está
repleta de episódios constrangedores. O economista Aloizio Mercadante, por exemplo, cobriu de
elogios o Plano Collor 1, logo após
a sua decretação, causando espanto na opinião pública e em
vários setores do próprio PT. Na
campanha de 1994, os principais
economistas do PT previram o rápido colapso do Plano Real, então
em gestação, não percebendo a
ameaça que a estabilização monetária representaria para a candidatura Lula.
Escaldado por três derrotas sucessivas, Lula está mais experiente e cauteloso. Os economistas do
PT têm sido mais discretos. Não
querem assustar os mercados financeiros e, muito menos, desagradar aos EUA, que são a "Nova
Roma", segundo Fernando Henrique Cardoso. A principal preocupação de alguns economistas
petistas é mostrar-se como eminentemente confiáveis e inofensivos.
Nesse ambiente, não seria nenhuma surpresa se representantes econômicos do PT se dispusessem a negociar as permanências
de Armínio Fraga e do resto da
turma do "green card" no comando do Banco Central em um eventual governo Lula. Seria, quem
sabe?, uma forma de conquistar o
"nihil obstat" da "Nova Roma" à
nomeação de algum deles para o
cargo de ministro da Fazenda.
Do lado do governo, não haveria dificuldades para uma transação desse tipo. Pedro Malan deixou claro que quer pendurar as
chuteiras, mas Armínio Fraga está ansioso para continuar em
campo. E, dos EUA, chegam a toda hora sinais de que a sua continuação seria muito bem-vinda. A
recente viagem do presidente do
Banco Central a Washington teve
a finalidade não-declarada, porém óbvia, de favorecer a sua pretensão de permanecer no cargo,
independentemente de quem
vença as eleições.
Outra forma de bajular os EUA
é dar declarações tranquilizadoras sobre a Alca (Área de Livre
Comércio das Américas). Em recente debate patrocinado pela
Folha, o secretário das Finanças
da prefeitura petista de São Paulo, João Sayad, declarou que o
Brasil não pode dar as costas para a Alca. "Não podemos correr o
risco de ser uma Albânia na
América Latina", disse o secretário.
Veja, leitor, o absurdo. A Albânia tem uma economia insignificante. Em termos de extensão
geográfica e população, é comparável a Alagoas. Muito mais razoável foi a afirmação de Otto
Reich, secretário-adjunto para
Assuntos do Hemisfério Ocidental do governo dos EUA, em entrevista à revista "Época" da semana passada. Reich declarou,
com todas as letras, o que é óbvio
para quem tem um mínimo de
noção do peso relativo do país-continente chamado Brasil: "Não
há Alca sem o Brasil".
Não vamos esquecer o que dizia
Nelson Rodrigues: "Se o Brasil
não existisse, o Piauí e o Ceará seriam grandes nações sul-americanas; Madureira seria outro
grande do continente".
O Brasil não cabe no quintal de
ninguém. Apesar disso, muitas
das lideranças políticas e econômicas brasileiras, inclusive na
oposição, disputam a tapa a possibilidade de servir como procônsules da "Nova Roma".
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
Texto Anterior: Análise: Decisão do BC é política Próximo Texto: O dólar balança: Europeus se dividem sobre "euro forte" Índice
|