São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Mais inflação?

ALOIZIO MERCADANTE

O brasil talvez seja um dos países que venham debatendo as causas de inflação há mais tempo. Durante o século 20, passamos por várias moedas, dos réis ao real, e por alguns bilhões de percentuais de aumento nos preços. Em meados dos anos 90, a equipe do Plano Real ancorou a moeda no dólar, jogou os juros acima das maiores taxas internacionais, sobrevalorizou o recém-nascido, inundou as prateleiras de importados e acabou com a hiperinflação, aproveitando a imensa liquidez internacional. Grande feito, reconhecido pelos eleitores, que, apesar de todos os nossos alertas de que o custo para a nação viria a ser altíssimo, elegeu e reelegeu FHC, na euforia da propaganda da nova moeda.
O conforto de saber quanto as mercadorias custam e com alguma margem de previsibilidade e quanto custarão é certamente impressionante. Não há brasileiro que queira voltar ao dinheiro que virava figurinha em pouco tempo. É bom reconhecer o valor das mesmas cédulas nas mãos, ano após ano, e saber que podem durar ainda muitos anos.
A defesa da moeda e de suas funções básicas, como reserva de valor, meio de troca e unidade de conta nos contratos é o mandato do Banco Central do Brasil, que realiza sua política monetária a partir de objetivos estabelecidos pelo órgão máximo do sistema financeiro, que é o CMN (Conselho Monetário Nacional). É nesse colegiado que se reúnem regularmente os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do Banco Central, a fim de fixar as metas de inflação para os próximos anos. Na última reunião do CMN, estabeleceram em 4,5%, com tolerância de dois pontos percentuais, a meta de inflação para 2005 e 2006.
Admito que a decisão me desapontou. Havia sugerido, em debate público, em vários artigos neste espaço, que a meta de 2004, de 5,5% ao ano, fosse estendida para 2005 e 2006, com tolerância de 2,5 pontos percentuais para cima e para baixo. E que fosse realizado um debate aprofundado sobre a definição de taxa de inflação de estabilidade para o longo prazo. Minha preocupação estava na possibilidade de uma longa interrupção na queda das taxas de juros nominais e até mesmo na sua elevação, caso a meta original para 2005 fosse mantida e o CMN reduzisse ainda mais a meta para 2006. A conseqüência seria a queda na taxa de crescimento na economia e a manutenção da já decenal anemia na geração de empregos.
Há quem reduza a riqueza e a profundidade desse debate à fraseologia fácil. Mas devemos mergulhar na essência das questões. A defesa dos 5,5% para 2005 e 2006 não implica mais inflação em relação ao que se pode prever no momento atual. Pelo contrário, implica menos. Adotar 4,5%, com margens de tolerância cadentes, é um risco, pois a nova política econômica norte-americana, pós-eleições, pode acentuar a elevação das taxas de juros internacionais.
Isso, mais a instabilidade dos preços do petróleo e crises bancárias em países emergentes, é um cenário adverso para a política monetária e cambial brasileira. Haverá pouco espaço para correção posterior de rumos com baixos custos para o país.
O BC, seguindo os objetivos estabelecidos pelo CMN, usa a taxa de juros nominais para realizar uma convergência das expectativas de inflação do "mercado" para as metas da política monetária. O mercado, nas últimas semanas, tem elevado suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses, que chegaram, no último levantamento, a 6,48% para junho de 2005. Mas o CMN manteve a meta de 4,5% para o final de 2005. Como o BC, segundo as regras da atual política monetária, pode provocar uma redução das expectativas em dois pontos, em seis meses? Elevando os juros nominais, na tentativa de aumentar os juros reais e desaquecer a demanda interna. Ou seja, reduzindo o ritmo de crescimento da economia e da geração de empregos.
Como a política monetária tem limitações para reduzir a inflação real, por meio da redução da demanda agregada, pois os preços têm subido em razão de choques de oferta (alimentos, petróleo e tarifas públicas) e da própria flutuação do dólar -que acelera a inflação num ritmo mais forte quando sobe do que desacelera quando cai -, não há sentido em sacrificar crescimento desnecessariamente ao elevar os juros.
Admitir metas maiores de inflação, dado um choque de oferta em andamento, não significa admitir inflação efetiva maior, e sim juros nominais menores. Nem um pouquinho a mais e nem a menos.
O país vive hoje um intenso processo de reativação da economia, que se reflete no crescimento da indústria -6,5% de janeiro a maio deste ano, puxado pelos setores de bens duráveis e de capital-, nas vendas no comércio varejista (8,5%) e no aumento do emprego formal, o maior desde 1992 (830 mil novos postos de trabalho). É essencial consolidar esse processo e sustentar o crescimento em 2005 e nos anos seguintes. A política monetária, além de preservar a estabilidade de preços, pode e deve ser um elemento importante no esforço de expansão dos investimentos.


Aloizio Mercadante, 50, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, é líder do governo no Senado.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


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