São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Eleições 2002: rumo à cidadania plena

PAULO RABELLO DE CASTRO

Episódios como o de quarta-feira passada, em que delinquentes, da prisão, comandaram o fechamento do comércio de bairros inteiros do Rio de Janeiro, em luto por companheiros mortos em chacina operada por outros meliantes no presídio de "segurança máxima" de Bangu 1, são uma representação patética do encarceramento da liberdade e da liberação da opressão pela ameaça e pelo medo.
Nas grandes cidades brasileiras, isso não é de hoje: vivemos atrás de grades porque é o crime que patrulha as ruas. O tema da segurança pessoal passa a falar mais alto que a educação ou o emprego como expressão da reivindicação mais gritante do eleitor brasileiro. A insegurança pessoal e familiar é a prova da nossa cidadania machucada.
Os candidatos desfilam idéias e sugestões, a maioria das quais "morrerá na praia" ou na prateleira de algum arquivo morto. Para a maior segurança, pululam opções válidas: unificação das polícias, sistema integrado de inteligência e informação, irredutibilidade da pena, adequadas investigações e instrução dos processos penais, educação, treinamento e aparelhamento policial, criação de imagem, auto-estima e plano de carreira para os oficiais de segurança e até administração prisional privada, mediante concessão.
É uma extensa bula de remédios inteligentes para lidar melhor com o crime.
Contudo a cidadania permanecerá incompleta e precária neste país enquanto a segurança não for encarada de maneira abrangente, numa abordagem holística, envolvendo suas três facetas: a cidadania civil, da qual tratamos como segurança e justiça, mas também a política e a econômico-social.
Cidadania é, mas não só, uma segurança pública eficaz e um Judiciário que funcione. Aliás, dificilmente alcançaremos melhorias neste campo da cidadania civil se não houver avanço substancial nas cidadanias política e econômico-social.
Quanto à política, estas eleições são expressão da distância dramática do eleitor aos candidatos e a suas "propostas". Em relação aos "partidos" políticos, aí nem pensar: inexiste o vínculo partidário, ao menos por simpatia ou por inclinação. A eleição será decidida por "indecisos" resistentes que, afinal, votarão num "fulano" -aliás, seis. A distância é ainda maior na política estadual. É majoritária a proporção de eleitores que não têm idéia (nem querem saber!) para quem apertarão o botão de "confirma" para deputado estadual, federal ou senador ou federal.
Essa distância entre o eleitor e o candidato é uma medida matemática, por assim dizer, da não-cidadania política do brasileiro. É preciso encurtá-la, pois esse distanciamento político também responde pela violência pessoal, pelas balas perdidas, pela corrupção desenfreada, pelos sequestros e, principalmente, pelos pequenos delitos que nossa sociedade passa a admitir, "já que nossos políticos são os primeiros a corromper e a ser corrompidos".
Entretanto os programas dos presidenciáveis são pobres na matéria de reforma política. É um sinal ruim, de que tudo tende a ficar exatamente como está, em processo de deterioração lenta e firme. Porque a política partidária não responde aos estímulos da proximidade do julgamento dos eleitores, no bairro, na cidade, no distrito de cada grupo social. Haveríamos de pensar mais como melhorar a política, estimulando partidos que não tenham receio de mostrar seus programas, de militar na oposição, de exigir o comportamento de seus representantes e a fidelidade do político eleito ao partido e ao programa que o elegeu. Essa é a base da cidadania política que, tragicamente, vem sendo postergada em votações do Congresso Nacional (por quê?).
Há, porém, que vincular ainda a cidadania ao acesso às oportunidades econômicas e sociais. Todas as últimas administrações federais têm sido muito voltadas ao "social". A palavra, de tanto se usar, desbotou. O "social" responde por tudo que o político quer aprovar sem comprovação de receita tributária correspondente, ou seja, os pesquisadores sociais conseguem agora provar, por a mais b, aquilo que já se sabia por desconfiança inteligente: os programas sociais do governo estão chegando perto da universalização da ineficiência, ou seja, elegem-se grupos de assistidos cada vez mais numerosos enquanto as melhorias sociais vão ficando cada vez mais fugazes. Não adianta falar de pobreza ou de carência específica (do idoso, da criança, da gestante, do índio) sem antes identificar as falhas atuais e propor uma revisão completa dos programas sociais em vigor, a começar da dispendiosíssima "reforma agrária" -a mais cara e injusta do mundo!
Cidadania, em última instância, é uma expressão de esperança na comunidade em que se vive e de confiança nas oportunidades que o ambiente comunitário vai criando.
Por isso, países decadentes sofrem emigrações dos seus jovens, pela sua perda de esperança e confiança. A educação ajuda a criar tal esperança. Mas não se trata apenas de generalizar a educação fundamental. A sociedade pós-moderna, da informação, exige a democratização do conhecimento, que compreende o direito de aprender, por exemplo, pela experiência do trabalho, o que é desestimulado por nossa legislação, que pune o vínculo de trabalho, que premia o ganho do não-trabalho e se ofende com o trabalho de aprendizes adolescentes. A grande massa de moços e moças desocupados no nosso país é uma ode à estupidez da nossa legislação trabalhista antitrabalho.
Mas não é só por aí que se oprime e infecciona a cidadania econômica. Há, principalmente, as oportunidades perdidas de democratizar capital num país que tampouco prima por democratizar conhecimentos.
Fizemos uma privatização de estatais, talvez a maior do mundo, sem qualquer participação do público na ponta compradora! Ultimamente, temos remediado essa falha monumental por meio de venda (bem-sucedida, aliás) de sobras da Vale, Petrobras e, daqui a pouco, Banco do Brasil, aos detentores de contas do FGTS e a outros interessados. Há dez anos levantamos a bandeira de um FGTS de aplicação financeira livre, que ainda não aconteceu. Por quê?
A Previdência Social, debatida aqui na última quinzena, amarra todo esse tema de cidadania econômica ao trazer, se reformada, a possibilidade de o cidadão enxergar seu futuro, acumulando rendas para suas necessidades futuras.
Portanto, quando se fala de insegurança, não é só da ameaça física que o cidadão brasileiro reclama. Ele almeja, de fato, um país, dotado de um conjunto de proteções, política, civil e econômico-social. Só assim nos desenvolveremos com sucesso.


Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br


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