|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Eleições 2002: rumo à cidadania plena
PAULO RABELLO DE CASTRO
Episódios como o de quarta-feira passada, em que delinquentes, da prisão, comandaram o fechamento do comércio de
bairros inteiros do Rio de Janeiro,
em luto por companheiros mortos
em chacina operada por outros
meliantes no presídio de "segurança máxima" de Bangu 1, são
uma representação patética do
encarceramento da liberdade e
da liberação da opressão pela
ameaça e pelo medo.
Nas grandes cidades brasileiras,
isso não é de hoje: vivemos atrás
de grades porque é o crime que
patrulha as ruas. O tema da segurança pessoal passa a falar mais
alto que a educação ou o emprego
como expressão da reivindicação
mais gritante do eleitor brasileiro.
A insegurança pessoal e familiar é
a prova da nossa cidadania machucada.
Os candidatos desfilam idéias e
sugestões, a maioria das quais
"morrerá na praia" ou na prateleira de algum arquivo morto.
Para a maior segurança, pululam
opções válidas: unificação das polícias, sistema integrado de inteligência e informação, irredutibilidade da pena, adequadas investigações e instrução dos processos
penais, educação, treinamento e
aparelhamento policial, criação
de imagem, auto-estima e plano
de carreira para os oficiais de segurança e até administração prisional privada, mediante concessão.
É uma extensa bula de remédios inteligentes para lidar melhor com o crime.
Contudo a cidadania permanecerá incompleta e precária neste
país enquanto a segurança não
for encarada de maneira abrangente, numa abordagem holística, envolvendo suas três facetas: a
cidadania civil, da qual tratamos
como segurança e justiça, mas
também a política e a econômico-social.
Cidadania é, mas não só, uma
segurança pública eficaz e um Judiciário que funcione. Aliás, dificilmente alcançaremos melhorias
neste campo da cidadania civil se
não houver avanço substancial
nas cidadanias política e econômico-social.
Quanto à política, estas eleições
são expressão da distância dramática do eleitor aos candidatos e
a suas "propostas". Em relação
aos "partidos" políticos, aí nem
pensar: inexiste o vínculo partidário, ao menos por simpatia ou
por inclinação. A eleição será decidida por "indecisos" resistentes
que, afinal, votarão num "fulano" -aliás, seis. A distância é
ainda maior na política estadual.
É majoritária a proporção de eleitores que não têm idéia (nem
querem saber!) para quem apertarão o botão de "confirma" para
deputado estadual, federal ou senador ou federal.
Essa distância entre o eleitor e o
candidato é uma medida matemática, por assim dizer, da não-cidadania política do brasileiro. É
preciso encurtá-la, pois esse distanciamento político também
responde pela violência pessoal,
pelas balas perdidas, pela corrupção desenfreada, pelos sequestros
e, principalmente, pelos pequenos
delitos que nossa sociedade passa
a admitir, "já que nossos políticos
são os primeiros a corromper e a
ser corrompidos".
Entretanto os programas dos
presidenciáveis são pobres na
matéria de reforma política. É um
sinal ruim, de que tudo tende a ficar exatamente como está, em
processo de deterioração lenta e
firme. Porque a política partidária não responde aos estímulos da
proximidade do julgamento dos
eleitores, no bairro, na cidade, no
distrito de cada grupo social. Haveríamos de pensar mais como
melhorar a política, estimulando
partidos que não tenham receio
de mostrar seus programas, de
militar na oposição, de exigir o
comportamento de seus representantes e a fidelidade do político
eleito ao partido e ao programa
que o elegeu. Essa é a base da cidadania política que, tragicamente, vem sendo postergada em
votações do Congresso Nacional
(por quê?).
Há, porém, que vincular ainda
a cidadania ao acesso às oportunidades econômicas e sociais. Todas as últimas administrações federais têm sido muito voltadas ao
"social". A palavra, de tanto se
usar, desbotou. O "social" responde por tudo que o político quer
aprovar sem comprovação de receita tributária correspondente,
ou seja, os pesquisadores sociais
conseguem agora provar, por a
mais b, aquilo que já se sabia por
desconfiança inteligente: os programas sociais do governo estão
chegando perto da universalização da ineficiência, ou seja, elegem-se grupos de assistidos cada
vez mais numerosos enquanto as
melhorias sociais vão ficando cada vez mais fugazes. Não adianta
falar de pobreza ou de carência
específica (do idoso, da criança,
da gestante, do índio) sem antes
identificar as falhas atuais e propor uma revisão completa dos
programas sociais em vigor, a começar da dispendiosíssima "reforma agrária" -a mais cara e
injusta do mundo!
Cidadania, em última instância, é uma expressão de esperança
na comunidade em que se vive e
de confiança nas oportunidades
que o ambiente comunitário vai
criando.
Por isso, países decadentes sofrem emigrações dos seus jovens,
pela sua perda de esperança e
confiança. A educação ajuda a
criar tal esperança. Mas não se
trata apenas de generalizar a
educação fundamental. A sociedade pós-moderna, da informação, exige a democratização do
conhecimento, que compreende o
direito de aprender, por exemplo,
pela experiência do trabalho, o
que é desestimulado por nossa legislação, que pune o vínculo de
trabalho, que premia o ganho do
não-trabalho e se ofende com o
trabalho de aprendizes adolescentes. A grande massa de moços
e moças desocupados no nosso
país é uma ode à estupidez da
nossa legislação trabalhista antitrabalho.
Mas não é só por aí que se oprime e infecciona a cidadania econômica. Há, principalmente, as
oportunidades perdidas de democratizar capital num país que
tampouco prima por democratizar conhecimentos.
Fizemos uma privatização de
estatais, talvez a maior do mundo, sem qualquer participação do
público na ponta compradora!
Ultimamente, temos remediado
essa falha monumental por meio
de venda (bem-sucedida, aliás)
de sobras da Vale, Petrobras e,
daqui a pouco, Banco do Brasil,
aos detentores de contas do FGTS
e a outros interessados. Há dez
anos levantamos a bandeira de
um FGTS de aplicação financeira
livre, que ainda não aconteceu.
Por quê?
A Previdência Social, debatida
aqui na última quinzena, amarra
todo esse tema de cidadania econômica ao trazer, se reformada, a
possibilidade de o cidadão enxergar seu futuro, acumulando rendas para suas necessidades futuras.
Portanto, quando se fala de insegurança, não é só da ameaça física que o cidadão brasileiro reclama. Ele almeja, de fato, um
país, dotado de um conjunto de
proteções, política, civil e econômico-social. Só assim nos desenvolveremos com sucesso.
Paulo Rabello de Castro, 53, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico (RJ). Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
E-mail - paulo@rcconsultores.com.br
Texto Anterior: Crise provoca queda nas vendas e indústrias cortam investimentos Próximo Texto: Fundos de pensão: Previ vai pagar R$ 1,7 bi de IR atrasado Índice
|