São Paulo, quarta-feira, 18 de setembro de 2002

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LUÍS NASSIF

Os presídios terceirizados

Recebo de Paulo Sérgio Domingues, presidente da Associação dos Juízes Federais, e-mail com argumentos contrários à idéia de terceirização dos presídios, importantes para analisar ressalvas e alternativas mais viáveis.
As ressalvas começam pela constatação de que é dever do Estado executar a pena do condenado. Terceirizar, segundo ele, significaria o Estado abrir mão desse dever.
A segunda ressalva é que não se pode comparar o presídio de Guarapuava (terceirizado) com um presídio convencional, porque lá se pode recusar a aceitar lotação acima da definida em contrato, diferentemente de um presídio comum. "Lá se mantêm condições de higiene e outras, destacadas em sua coluna -e que de fato correspondem à realidade", admite Domingues. No entanto, diz ele, "seria preciso tentar fazer ao menos UM presídio público com essas mesmas condições, e aí comparar".
A terceira ressalva é quanto ao custo de presídio terceirizado. Segundo ele, em Guarapuava seria o dobro do sistema público.
A quarta ressalva é que, ao "transformar presídios em negócio", o interesse maior passaria a ser o de ter o maior número possível de presos na cadeia, "perdendo-se o foco de que a prisão deve ser a última saída do Estado para quem comete um delito".
Vamos por partes. O primeiro ponto a considerar é que, no modelo terceirizado, o Estado não abre mão do poder de prender e soltar. O terceirizado é um prestador de serviços, trabalhando sob contrato, cumprindo indicadores de desempenho e sendo não apenas fiscalizado por um comitê, composto por membros do Estado (e deveria haver representantes do Judiciário, Ministério Público, OAB), como dirigido por representantes públicos -no caso de Guarapuava, o diretor, o vice-diretor e o chefe de segurança são do governo.
A segunda ressalva -a de que a comparação de Guarapuava precisa ser com um presídio público bem administrado- deve ser vista sob outro ângulo: qual o ambiente mais adequado para ter uma gestão profissionalizada, o presídio com administração direta ou o terceirizado?
Tome-se o episódio Bangu 1. Era presídio de alta segurança, com número restrito de presos, alta automação etc. Eclodiu a rebelião, provavelmente com a anuência de agentes penitenciários, e se descobre que há 14 anos não são feitos investimentos por lá.
Não houve continuidade de gestão. Se fosse terceirizado, mudariam os governadores, mas o trabalho continuaria o mesmo, já que a empresa terceirizada teria que cumprir indicadores definidos em contrato e se submeter à fiscalização das autoridades e da opinião pública.
Depois, a gestão pública impede a responsabilização dos culpados. Quem é o culpado do que ocorreu em Bangu 1? Alguns agentes individualmente? O diretor do presídio? Leonel Brizola, Cesar Maia, Garotinho, que não fizeram os investimentos? Seus respectivos secretários da Segurança?
No caso de terceirização, não haveria nem o que discutir. Assinado o contrato, a empresa passaria a ter responsabilidades cíveis e criminais sobre qualquer episódio grave ocorrido. Quanto à terceira ressalva, o secretário da Segurança do Paraná sustenta que o custo operacional de Guarapuava é o mesmo do presídio de Maringá, construído dois anos antes. Com a diferença de que em Guarapuava não se criam passivos futuros, com aposentadoria de funcionários e outras benesses.
Outro grande problema do regime público é o contato continuado dos funcionários com os criminosos, tornando-os cúmplices ou reféns de suas ameaças. Dentro de um regime privado, há muito mais flexibilidade para políticas de recursos humanos.
Finalmente, não procede o argumento de que a transformação do presídio em negócio estimularia o aumento da população carcerária. Se o modelo limitar-se a um pagamento per capita, não haveria nenhum risco de virar "negócio".
Mesmo porque o poder de prender e soltar continuaria sendo do Estado.

E-mail - LNassif@uol.com.br


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