São Paulo, sexta-feira, 18 de outubro de 2002

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CONJUNTURA

Com juros e dólar altos, empresas prevêem custo maior, consumidor desanimado e elevação da inadimplência

Só exportador escapa da crise em 2003

FÁTIMA FERNANDES
GEORGIA NASCIMENTO
DA REPORTAGEM LOCAL

A alta dos juros e do dólar vai trazer um final de ano sombrio para o comércio e para a indústria. O financiamento mais caro e a desvalorização do real elevaram os custos das empresas e tiraram o ânimo do consumidor na melhor época de vendas do ano. O 13º salário pode aliviar os negócios de alguns setores, mas da crise prevista para o início de 2003 quase ninguém escapa, a não ser os grandes exportadores.
Esse é o cenário traçado por 12 setores consultados pela Folha para o final deste ano e início do próximo. Nos próximos seis meses, as empresas devem viver um período de forte descapitalização, provocada pela alta de custos e fraca demanda, especialmente no caso dos setores que abastecem apenas o mercado interno.
Mais: a inadimplência das empresas e dos consumidores deve voltar a subir, já que as dívidas encareceram. Sem contar que em 2003 muda o governo, outro motivo para o mercado ficar apreensivo -pelo menos até que seja definida a nova equipe econômica e os rumos que vai dar ao país.
"A alta do dólar elevou os custos das nossas matérias-primas, mas não conseguimos repassá-la para os preços. Ao mesmo tempo, a subida dos juros aumentou as dívidas (a maioria em dólar) das empresas que investiram na produção", diz Fábio Mestriner, presidente da Abre, associação da indústria de embalagem.

Eletrônicos
A indústria eletroeletrônica considera-se uma das maiores vítimas da alta do dólar e dos juros por ser dependente de insumos importados e de financiamento. "O pior é que o dólar varia todo dia, e isso cria forte pressão inflacionária", afirma Carlos de Paiva Lopes, presidente da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica).
A indústria já vinha segurando a produção quando o dólar começou a dar maiores saltos, a partir de julho. A expectativa, no entanto, era que, passado o período eleitoral, o mercado financeiro se acalmasse e, com a proximidade do final do ano, o consumo voltasse a crescer -um estímulo à produção e ao emprego.
"Com esse aumento inesperado das taxas de juros, não dá nem para fazer projeções para este final de ano", afirma Emílio Alfieri, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
"Só depois da eleição vamos ver se dá para fazer previsões", diz Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, associação que reúne os shoppings. "Os empresários não têm como fazer cálculos e previsões neste momento", diz Paulo Skaf, presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil).
A alta dos juros é nociva para o comércio porque ao menos 50% das compras dos consumidores são financiadas. Em algumas redes, esse percentual chega a 90% - por exemplo, na Casas Bahia.

Brinquedos
Para a indústria de brinquedos, que concentra boa parte das vendas de outubro a dezembro, a alta dos juros prejudicou as negociações de toda a cadeia produtiva, que negocia prazo de pagamento de 60 dias, em média. "As conversas entre as indústrias e seus fornecedores e clientes são para encurtar prazos", diz Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq.
A diminuição dos prazos de pagamento é uma medida adotada pelas empresas quando percebem que é possível enfrentar um calote um pouco mais para a frente.
O consumidor já dá sinais de que pagar uma dívida em dia está ficando cada vez mais difícil. A Servloj, empresa que administra o crediário de cerca de 600 lojas no país, constata aumento da inadimplência na primeira quinzena deste mês -o atraso acima de 180 dias no pagamento do crediário é da ordem de 9,5% sobre o valor financiado. Em setembro, esse percentual era de 9,1%. Desde junho a inadimplência vinha em queda.
"Os preços dos combustíveis e dos alimentos subiram demais, e os salários não acompanharam. Sobra, portanto, menos dinheiro para pagar as contas no final do mês", diz Oswaldo de Freitas Queiroz, sócio-diretor da Servloj. A ACSP também vê mais atraso no pagamento das contas. Em setembro, a inadimplência líquida (diferença entre carnês em atraso e quitados) era de 6,7%. Há um ano era de 6%. Subiu, mas ainda está longe dos 20,2% registrados em abril de 1999.


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