São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008 |
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DEBATE FOLHA País será contaminado, mas pode conter desaceleração
Colunistas da Folha afirmam que o impacto depende de sucesso de ações do BC BRASIL NA CRISE Delfim - O Brasil é parte do mundo. Durante os oito anos do governo FHC, as exportações cresceram 4% ao ano em valor; nos sete anos do Lula, 20%. O Lula não tem nada a ver com isso. O mundo é que mudou. Tivemos o bônus, agora vamos pagar o ônus por estar no mundo. Se tivermos um pouco de inteligência na política e uma razoável ousadia, nosso ônus vai ser pequeno. Temos condições de crescer 3,5% e 4% em 2009. Lisboa - O Brasil teve duas grandes sortes nessa crise. É o que chamo de vantagem do atraso. A primeira é esse conservadorismo benéfico do nosso BC, em decorrência da crise da saída da inflação. A segunda é que a gente não tem um mercado de financiamento imobiliário muito desenvolvido. É ruim porque menos gente tem casa. Agora, não desenvolveu nenhum desses derivativos. TRAVA NO CRÉDITO Delfim - Quando todo mundo quer liquidez, o sistema fica ilíquido. O BC libera compulsório, o banco compra papel do governo e fica com o recurso. Eu, para ficar líquido, não compro mais a geladeira que ia comprar. A loja que ia me vender a geladeira vende o estoque dela para ficar líquida e não compra da fábrica. A fábrica que não pode vender a geladeira, para ficar líquida, não compra mais os componentes e dispensa alguns empregados. Quando se transfere esse tipo de pânico, estamos produzindo uma retração muito maior do que a necessária. Lisboa - Uma série de empresas que se financiavam no exterior agora não têm mais acesso a crédito lá fora. Na hora em que vieram aqui dentro, a demanda cresceu. É uma questão puramente transitória. Belluzzo - Por que os mercados de crédito estão travados? Porque todas as instituições estão procedendo uma desalavancagem. Se eles estão desalavancando, me parece contraditório processar crédito. Os BCs estão começando a intervir no processo de concessão de crédito. Foi isso o que o BC americano fez com a permissão de aquisição de "commercial paper" [títulos de dívida], para permitir que o financiamento de curto prazo se mantenha. MEDIDAS DO BC Cintra - A gente pode levar o cavalo à ponte, mas não pode obrigá-lo a beber água. Isso está acontecendo com as medidas que o BC adotou, liberando compulsório. Mas o mercado não parece disposto a fazer fluir o crédito. Chama a atenção pensar o papel dos bancos oficiais neste momento de crise. Eles vêm sendo vetores de irrigação até que os bancos privados percam essa síndrome de não fazer empréstimo. Delfim - Acho que há uma mania de grandeza do sistema bancário brasileiro. Os banqueiros brasileiros não se conformam com o fato de não fazer restrição de crédito se o mundo inteiro está fazendo isso. O financiamento interno [volta], não tenho dúvida de que, se a gente cooptar o sistema a voltar a uma certa racionalidade, dizer que quando todos estão líquidos o sistema está ilíquido... Depende de nós. Belluzzo - Se o governo não tomar medidas para suprir essa contração no crédito, vamos ter uma desaceleração mais forte. E quando o governo tentar agir, vamos estar caminhando para a recessão. O BC já teria condições de suprir essa demanda de crédito em moeda estrangeira. PRESENÇA DO ESTADO Cintra - Essa crise caracteriza o fim da era Reagan e Thatcher [presidente dos EUA e premiê britânica nos anos 80], a crença em mercados eficientes, em desregulamentação, redução do tamanho do Estado e impostos. Grande parte dos pacotes adotados nos EUA e na Europa é com recursos do Tesouro, o que deve levar a um aumento do déficit público. Há uma tendência "socializante" de participação do Estado na economia? Não. As intervenções são medidas emergenciais e não tentativa de que o gerenciamento passe a ser público. REGULAÇÃO Lisboa - Vai haver, sim, um movimento regulatório. Em que direção? Como se retira um componente da crise, que foi a assimetria de informação, pois ninguém sabia o que estava acontecendo? O prêmio Nobel dos últimos dez anos tem sido dado aos economistas que estudaram como se constroem instituições adequadas em um mundo que há assimetria de informação, pouca racionalidade, inovação tecnológica e mudanças permanentes. A questão não é mais Estado ou menos. A questão é a boa regulação. Beluzzo - Nós precisamos da crise para perceber que precisamos regular. Por que não é possível aos homens se anteciparem à crise? Não acho que a regulação seja uma panacéia, nem que se possa contrariar a natureza desse sistema que é a violação da regra. A humanidade precisa trabalhar entre duas polaridades: Estado totalitário e mercado totalitário. JUROS X GASTOS Delfim - Não precisa mexer nos juros mais, fica quieto. Reduzir custeio é fundamental. Temos o Estado mais caro do mundo, se você compara a carga tributária com a qualidade de serviços. Lisboa - A gente pediu uma pizza grande e veio uma média. Ou o Estado poupa um pouco mais, ou o setor privado vai ter que fazer isso. Cintra - Não se justifica uma tentativa do governo de praticar uma política expansionista, devemos esperar. Não acredito que vamos ter qualquer contração fiscal neste governo. A Câmara está aprovando um aumento de salários significativo. Belluzzo - O ambiente de crescimento acelerado não vai ser mais observado. Reduzir o investimento público significa retirar do setor privado a expectativa de que a renda não caia tanto. Texto Anterior: Quais são as opções do governo brasileiro para lidar com os efeitos da crise? Próximo Texto: Origem da crise por... Índice |
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