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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Os desempresários
ALOIZIO MERCADANTE
Quando participamos de
uma campanha eleitoral como
esta que se encerrou, passamos quase todo o tempo nas
ruas com o povo. A tragédia
do desemprego vai moendo a
gente por dentro. A monótona
humilhação dos desempregados é indescritível. Tenho encontrado alguns que a profissão é procurar emprego, outros que simplesmente desistiram. Tantos que se degradaram e todo o projeto de vida é
a próxima refeição, ou encontrar um lugar melhor para
dormir entre os viadutos e os
escuros becos do centro da cidade.
Com o agravamento da crise, a perda de reservas cambiais superior a US$ 30 bilhões, as negociações com o
FMI, o aumento de impostos
que acompanhará o novo pacote, o corte de gastos sociais e
esse patamar criminoso dos
juros teremos um agravamento brutal da recessão e com ela
do desemprego. Mas descobri
um novo segmento nessa
imensa multidão de deserdados -os desempresários. São
aqueles que foram empresários, quase sempre micro ou
pequeno, e agora não são mais
nada. Os depoimentos são impressionantes. O processo para
se tornar um desempresário é
lento e solitário. As vendas começam a cair, o faturamento
diminui, a margem de lucro
desaparece e não há mais recursos para investimentos. A
atitude para reverter o cenário de concordata é recorrer ao
banco. No começo uma sensação de alívio, tudo parece melhorar. Em casa dá para adiar
mais uma vez as medidas de
austeridade. Nada como poupar a mulher e os filhos do rebaixamento social. O país vai
melhorar, nem pensar em dificuldades, isso é conversa furada da oposição. Então, começam a aparecer as prestações,
a dívida vai aumentando e o
faturamento sempre minguando.
Um novo passo é dado. Suspender o pagamento dos impostos, quando for possível a
gente negocia os débitos fiscais. Sonegar um pouco, todo
mundo sonega, só que agora é
questão de sobrevivência. A
empresa logo depois deixa de
pagar os fornecedores e então
começa a atrasar salários. Finalmente, aparecem os oficiais de justiça, penhorando
tudo.
O mundo vai desabando ao
redor. Em casa é o fim do cartão de crédito, a venda do carro do filho, encaminhar as
crianças para escola pública,
tentar vender o título do clube
e assumir o papel de caloteiro
e incompetente. A falência
não apenas é uma figura jurídica, é uma trágica novela
pessoal e familiar. Alguns perdem até a paixão pela esposa,
nem Viagra resolve.
O trabalhador quando é demitido recebe os encargos trabalhistas e o seguro-desemprego. O desempresário não, fica
devendo na praça e com o nome sujo. É verdade que há as
falências fraudulentas e os picaretas inescrupulosos, duro é
tentar explicar para os vizinhos e conhecidos que você
não é um deles. Para os micro
e pequenos a condição de desempresário é tão trágica
quanto a dos desempregados.
E quando você apresenta seu
currículo para uma empresa,
tentando explicar as razões da
falência, o departamento de
RH não preenche nem a ficha.
A associação comercial e o
sindicato industrial dão baixa
na carteira. Você finalmente é
um desempresário.
O presidente FHC deixará
uma grande contribuição ao
sociólogo FHC, porque ao bater o recorde histórico de desemprego no Brasil, certamente é recordista de desempresários, ainda que esta categoria
oculta socialmente nunca tenha sido estudada ou quantificada. E as perspectivas para
1999 são de aumento significativo deste imenso contingente,
que certamente será engrossado por alguns grandes empresários endividados em dólar.
Em Marília, um grupo de desempresários criou o SOS-Empresário, uma espécie de Alcoólicos Anônimos, para tentar reagir. Se os grandes, que
já foram um baluarte da Fiesp
como Mindlim, da Metal Leve,
Kasinski, da Cofap, e tantos
outros desempresários com
posse, tivessem gritado, talvez
o rumo do país fosse outro.
Como já escrevi tantas vezes,
a crise financeira internacional está longe de se resolver. E
o Brasil, que subordinou toda
a lógica da política econômica
na dependência de capitais especulativos externos precisa
mudar de rumo. Deveria ter
defendido suas reservas cambiais, com medidas transitórias, mas que evitassem colocar o país nessa posição de pedinte desesperado diante do
sistema financeiro internacional. Como já fizemos no passado, especialmente na crise
de 1929, deveríamos buscar
uma resposta criativa de defesa da produção e do emprego.
Estimular a produção agrícola
seria fundamental, mas o período do plantio era até 15 de
outubro e os recursos prometidos de R$ 10 bilhões para o
crédito agrícola não foram liberados e provavelmente teremos uma nova redução de safra para 1999. Racionalizar a
abertura comercial utilizando
as modernas salvaguardas
que poderiam impedir o importabando que desarticulou
importantes setores da economia. Igualmente importante
seria a definição de uma política industrial ativa e uma reforma tributária. Reorientar
as fontes de financiamento
públicas como o BNDES para
a produção e não privatizações. Democratizar a política
econômica e industrial reativando as câmaras setoriais e
desmontar cuidadosamente a
armadilha câmbio-juros seria
decisivo para alavancar o potencial de exportação e crescimento do país.
Enquanto isso, os atuais e os
futuros desempresários precisavam criar coragem de se
unir aos trabalhadores em um
novo projeto nacional de desenvolvimento.
Inaceitável é esse sabor de
vergonha e passividade que
acompanha os desempresários
e o silêncio cúmplice das entidades empresariais com esse
governo que impôs ao país o
retorno ao FMI e promove o
reencontro da nação com a
década perdida dos anos 80.
Aloizio Mercadante Oliva, 44, economista, é professor na Unicamp e na PUC-SP. Foi
deputado federal e candidato a vice-presidente da República em 94 na chapa com Lula. É vice-presidente nacional do PT e deputado federal eleito nas últimas eleições.
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