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São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Economia e crises no Brasil

A economia brasileira se encontra, hoje em dia, em uma situação próxima ao pré-governo Sarney. As características econômicas da crise são diferentes, mas a lógica política é a mesma.
O chamado modelo neoliberal-financeiro esgotou-se em 1999, assim como, a partir de meados dos anos 70, havia se esgotado o modelo nacional-desenvolvimentista. Lá como cá, o modelo econômico que dava sustentação aos interesses econômicos dominantes torna-se disfuncional, mas os interesses econômicos que dele se beneficiam conservam poder político e/ou ideológico, levando à paralisia da política econômica.
A agonia do modelo nacional-desenvolvimentista começou com a primeira crise do petróleo, em 1974. Foi-se empurrando com a barriga no governo Geisel, entrou em processo agônico no governo Figueiredo e explodiu no governo Sarney. Nesse período não se podia mexer no câmbio, nos juros, nas aplicações ao portador. Foi preciso a loucura de Fernando Collor para cortar o nó górdio da crise.
A situação é a mesma de agora. Não se pode pensar em reduzir juros, mexer no câmbio ou na receita fiscal. Empurra-se com a barriga, e a doença acaba se manifestando ou na superinflação (como nos governos Figueiredo e Sarney) ou no crescimento insustentável da dívida pública (como no período FHC-Lula).
O que leva o país a essa marcha continuada da insensatez?
Inicialmente, é importante não analisar o modelo como uma confluência de forças da mesma natureza, uma aliança orgânica. Há pelo menos três agentes distintos, nem eles próprios atuando de forma homogênea, que se aliam de forma circunstancial.
O primeiro deles é o agente político, as forças que controlam o governo e a política econômica ou as forças emergentes da oposição. Nos períodos eleitorais -e apenas neles- manifestam-se os eleitores. Fora deles, os grupos econômicos mais influentes. Daí o papel regenerador das eleições no rompimento da inércia.
O segundo grupo são os agentes econômicos, que se dividem em três linhas: os interesses consolidados, os grupos emergentes e a rapa -pequenas e médias empresas sem expressão política e cidadão comum. Com a disfuncionalidade do modelo econômico, os setores econômicos emergentes vão crescendo, ganhando musculatura, até obter expressão política e pressionar por mudanças adequadas ao novo ambiente.
As alianças econômicas garantem governabilidade, mas não votos. O instrumento que garante os votos, mesmo nas fases em que o modelo é claramente predador (como foi nos anos 80 e agora), é a ideologia. Há a necessidade dos "publicistas" incumbidos de criar o discurso legitimador, que permite aos partidos políticos ganhar eleições.
O primeiro nível de "publicistas" são os intelectuais -em geral, economistas (ou "financistas", como os denominava Manuel Bomfim) que se tornam porta-vozes dos novos grupos emergentes, criando o discurso capaz de dar sobrevida ao modelo, mesmo após seu esgotamento. O segundo nível é a imprensa, que confere dimensão nacional e expressão política ao discurso do intelectual.
Nos próximos dias, vamos detalhar melhor esse jogo.

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