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São Paulo, terça-feira, 18 de novembro de 2003

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CAMINHO INVERSO

De tradicional importador do grão, país decide vender parte da safra ao exterior, o que preocupa a indústria

Brasil deverá exportar 600 mil t de trigo

MAURO ZAFALON
DA REDAÇÃO

No ano em que o país produz a maior safra de trigo da história, os moinhos resolveram pregar uma peça nos produtores. Saíram do mercado em plena safra, quando a oferta do produto é grande.
Pior ainda, segundo o governo, fizeram importações de agosto a setembro, descumprindo um acordo acertado com a cadeia produtiva para a elevação da produção interna de trigo, produto que o país sempre foi dependente. As compras externas favorecem os moinhos, que têm prazo maior para pagar o produto.
Para os produtores, a intenção dos moinhos foi provocar queda nos preços. Já os moinhos dizem que não têm capital de giro para fazer estoques. A consequência foi uma forte queda nos preços. Negociada a R$ 33 no final do ano passado, o que incentivou muitos a optar pelo produto, a saca de trigo caiu para até R$ 19 nesta safra no Sul, valor que não cobre os custos de produção, segundo os produtores.
Agora foi a vez de os produtores colocarem os moinhos de orelha em pé. Sem opção para venda do trigo no mercado interno, o Brasil está fazendo o que jamais se poderia imaginar: exportando trigo. O volume das exportações começa a preocupar as indústrias, que aumentaram a procura pelo produto interno na semana passada.

Na trilha do milho
O trigo repete a história do milho. Há três anos, o Brasil produziu uma supersafra de milho, produto que tradicionalmente era destinado ao mercado interno. As indústrias e as granjas também saíram do mercado, e os preços despencaram.
Pressionada pelo excesso de produto e preços baixos, a Coamo (uma das maiores cooperativas do Paraná) começou a exportar milho. Os preços internos passaram a ter relação com os externos.
Agora a Coamo abriu o mercado externo para o trigo. Esse início não está sendo fácil, diz Antônio Garcia, assessor comercial da cooperativa. "Como fazer outros países importadores entenderem que o maior comprador mundial de trigo agora está exportando o produto?", pergunta ele.
"Mandamos amostras para vários países e fechamos o primeiro contrato de 25 mil toneladas." Garcia diz que os preços obtidos são um pouco inferiores aos do mercado externo, mas que as exportações são necessárias para dar liquidez internamente.
O produto brasileiro é de boa qualidade e, aos poucos, as exportações nacionais deverão atingir os preços do mercado externo, diz Garcia. "Foi assim com o milho."
Após a descoberta dos caminhos externos pela Coamo, as exportações estão crescendo. A própria Coamo está liderando um pool de cooperativas paranaenses e deverá colocar mais 50 mil toneladas do produto no mercado externo a partir de dezembro. A safra paranaense ficou próxima de 3 milhões de toneladas neste ano.
As exportações também foram a saída no Rio Grande do Sul, o segundo maior produtor nacional, com 2,1 milhões de toneladas. Os gaúchos já acertaram a venda externa de 280 mil toneladas. Ao todo, paranaenses e gaúchos deverão exportar 600 mil toneladas de trigo desta safra.
Se as exportações se confirmarem nesse volume, serão uma marca ousada, já que o país importava de 7 milhões a 8 milhões de toneladas há três anos. Em 2003, as importações devem ficar abaixo de 50% do consumo nacional, que é de 9 milhões a 10 milhões de toneladas.

Vamos até a Lua
Bastante realista, Lawrence Pih, do Moinho Pacífico diz que "os moinhos querem trigo de qualidade e bons preços. Onde tiver esse produto, mesmo que seja na Lua, vamos atrás". Mas reconhece que o produtor também tem o direito de procurar o melhor preço para o trigo, seja no mercado interno ou no externo.
Pih admite que as exportações nacionais deixaram o mercado um pouco nervoso na semana passada, e muitas indústrias saíram às compras.
A tendência do mercado internacional é de alta nos preços no momento. Se o produto exportado vai ser importado com preços maiores ou nos mesmos patamares atuais nos próximos meses é o mercado quem vai determinar, diz Pih.
A lista de interessados no trigo brasileiro é ampla e vai de tradicionais países importadores do norte da África até europeus, como a Itália, que teve a agricultura prejudicada neste ano por problemas climáticos.
Ataídes Jacobsen, assistente técnico da Emater/RS, diz que as exportações são um bom regulador do mercado, que já está um pouco mais tranquilo. As medidas do governo para facilitar a comercialização, a elevação do dólar -que onera as importações- e uma produção mundial menor do que o consumo ajudaram na recuperação dos preços.
Jacobsen diz que os produtores gaúchos terminaram 2002 com a saca de trigo a R$ 33. A saca recuou para R$ 19, mas as medidas internas, como os contratos de opção e as exportações, já fizeram o trigo subir para R$ 21 no Sul.


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