São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2007

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LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Delícias e riscos do câmbio


O real e os juros formam, no Brasil, um par atraente para os participantes da corrida global por ativos rentáveis

DESDE a década de 80, depois da crise da dívida externa, o Brasil não vive uma conjuntura tão favorável. A ascensão econômica da China e dos asiáticos em geral, com dotações de recursos naturais diferentes da nossa, mudou a configuração do comércio internacional. Os termos de troca entre produtos primários e bens manufaturados movem-se a favor dos países com disponibilidade e diversidade de recursos naturais. Para completar a temporada de vento a favor, veio a notícia da descoberta da megarreserva de Tupi. Alem das bênçãos da insolação e da energia renovável, a natureza nos oferece as graças do petróleo. Assim seja.
Nesse ambiente benfazejo, a política monetária ainda sustenta a taxa de juros e o câmbio fora do lugar. O câmbio valorizado é compensado por preços generosos formados num mercado mundial superaquecido. Não há dúvida de que a taxa de câmbio real valorizada e a inflação baixa daí decorrente melhoram o "bem-estar" da população, tanto dos pobres -os empregados ou beneficiados por políticas sociais- como dos ricos de todo gênero (os remediados ainda sofrem as agruras do baixo dinamismo industrial dos últimos anos, não obstante a aceleração recente do crescimento).
A sensação de bem-estar é intensa agora: a valorização é acompanhada pelo rápido aumento da demanda doméstica, do emprego, dos salários e dos demais rendimentos graças à expansão do crédito via ampliação dos prazos e à evolução dos setores não afetados pela concorrência externa, como a construção civil.
A moeda brasileira e seu juro básico formam um par atraente para os participantes da corrida global por ativos mais rentáveis. Não é só o odor de santidade que atrai os viciados em diferenciais de rendimentos.
A Índia, por exemplo, apresenta situação fiscal e de balanço de pagamentos bem mais precária: déficit fiscal e saldo negativo da balança comercial. Ainda assim, as autoridades foram obrigadas a tomar medidas para estancar a entrada de capitais, sobretudo dos investimentos de portfólio. Isso com uma taxa de juro de curto prazo de 7,20% ao ano.
O Brasil tem uma combinação câmbio-juros hostil ao investimento na indústria manufatureira e favorável à arbitragem sem risco. Em um ambiente de celebração dos emergentes de notícias favoráveis é inevitável a valorização do real.
É bom não esquecer: a outra face das reservas elevadas é a acumulação de passivos em moeda estrangeira nas Bolsas, em renda fixa.
Alem de tais inconveniências óbvias, a valorização do real é um chute no traseiro do investimento produtivo de maior graduação tecnológica, para não falar dos setores intensivos em mão-de-obra. Na toada do rápido crescimento da demanda insuflada pelo crédito, ainda é possível investir na ampliação da capacidade, a despeito da concorrência das importações subsidiadas pelo câmbio barato Mas isso não elimina o risco da consolidação de uma estrutura industrial concentrada em bens destinados à produção de commodities ou fortemente apoiados em recursos naturais, como mostram os trabalhos recentes do Iedi.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 65, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


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