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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Bancos centrais não podem regular a economia

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O debate sobre a autonomia e mesmo sobre uma eventual Lei de Responsabilidade Monetária está esquentando no Brasil. O governo Lula promete as duas coisas.
Na semana passada, uma importante contribuição para o entendimento do problema foi anunciada pelo BIS (Bank for International Settlements) -Banco de Compensações Internacionais-, conhecido como "o banco central dos bancos centrais".
De acordo com o relatório da instituição, algumas das principais turbulências financeiras são causadas pelo fato pouco reconhecido de que os bancos centrais têm afinal menos poder do que se imagina.
As várias ondas de liberalização de mercados financeiros que ocorreram desde os anos 80 criaram problemas de regulação que estavam além dos instrumentos disponíveis.
É um argumento a mais contra a idéia de que a política monetária é capaz de evitar que ocorram as bolhas especulativas e, o que é pior, o seu estouro, que leva países e sistemas a crises de ordem global.
Para os mais ortodoxos, não chega a ser uma novidade. Eles sempre disseram que um banco central não faz muito mais além de controlar, e apenas com relativo sucesso, os níveis de taxas de inflação. Mas essa visão é insuficiente.

Mudanças
Afinal, muitas vezes as políticas de combate à inflação também provocam problemas financeiros que as autoridades, eventualmente a direção do próprio banco central, esperam resolver com mudanças na regulamentação.
O estudo do BIS mostra que mudanças na regulamentação, que afinal sempre foram defendidas como uma linha de auxílio ao aperfeiçoamento do sistema monetário, podem atrapalhar mais que ajudar.
Em outras palavras, elas criam outro tipo de inflação, conhecida como "inflação de ativos". Os bancos centrais podem até conseguir algum sucesso combatendo a inflação de preços de bens e serviços.
Mas a desregulamentação provocou várias bolhas inflacionárias nos mercados de ativos financeiros. Contra esse fenômeno, os bancos centrais estavam despreparados.

Bolsas de Valores
Mas novamente é ingênuo acreditar que esses dois tipos de inflação ocorrem sem canais de comunicação entre si. Nos Estados Unidos, por exemplo, é conhecido o efeito da inflação/bolha nas Bolsas sobre os níveis de consumo.
Ou seja, há uma conexão entre a inflação de ativos e a inflação de demanda (causada pelo aumento na procura de bens e serviços que é propiciada pelos ganhos financeiros da classe média que investe sua poupança nas Bolsas).
A privatização dos planos de previdência e o crescimento da indústria de fundos de investimento, dois aspectos da liberalização, estimularam decisões de consumo e investimento.
Se o BIS está certo ao dizer que a decisão de privatizar e desregulamentar esses mercados não é da alçada dos bancos centrais, é preciso registrar também que em muitos casos os diretores do banco central são os principais advogados dessas mudanças regulatórias.
Nesse caso, dar muita autonomia ao banco central pode criar um consenso político em favor de políticas equivocadas que, depois, nem mesmo o banco central tem como inverter ou corrigir.


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