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LUÍS NASSIF
Os amigos Francisco e Augusto
Francisco Clementino San
Thiago Dantas e Augusto
Frederico Schmidt nasceram
amigos, mas a vida os separou.
Eram muito parecidos para se
darem bem. Ambos eram brilhantes, tinham veleidades políticas, literárias, diplomáticas e
econômicas. Entraram juntos
na política e juntos se desencantaram, tornaram-se discípulos
do pensador católico Jackson de
Figueiredo, abraçaram o integralismo.
Depois, a vida os foi conduzindo para campos opostos.
Schmidt explodiu primeiro. Nos
anos 30 já era poeta consagrado, nos anos 40 tinha enorme
influência nas áreas pública e
empresarial, controlava a poderosa Cexim, que autorizava todas as exportações e importações do país. Montou o Disco,
primeiro supermercado do país.
No governo JK, sua influência
atingiu o auge,
De seu círculo de discípulos faziam partes diplomatas influentes, como o delfim Paulo de Tarso Flexa de Lima, a nata do
mundo político (entre seus integrantes o iniciante deputado
Antonio Carlos Magalhães) e a
imprensa, a começar por seu
amigo Roberto Marinho. Escrevia todos os discursos de JK. De
sua imaginação exuberante
saiu a Operação Panamericana
(OPA), primeira tentativa da
diplomacia brasileira de firmar
liderança no continente.
San Thiago começou depois.
Desde sempre já era considerado o mais brilhante professor da
Faculdade Nacional de Direito.
Fez uma incursão literária de
sucesso -um ensaio sobre "D.
Quixote", de Cervantes-, mas
não persistiu. Não tinha dom de
ganhar dinheiro, nem paciência
para fazer política, até que a
mosca azul o picou, a partir da
amizade com o banqueiro Walther Moreira Salles.
Doutor Walther abriu-lhe as
portas do mundo político (ao
apresentá-lo a Getúlio Vargas),
do mundo empresarial e do
mundo do dinheiro. Como diretor do banco, San Thiago ajudou nos negócios de Moreira Salles, conferindo clareza jurídica
a um mundo de operações modernas que a economia brasileira praticamente desconhecia.
Seu círculo de influência passava também por jovens itamaratecas, como Marcílio Marques
Moreira, e jovens advogados
militantes, como José Gregori.
Os escritórios dos dois amigos
foram crescendo, sua influência
aumentando, seu círculo de relações políticas se ampliando e,
na mesma proporção, aumentando sua rivalidade. Em um
certo momento, o único ponto
de contato entre ambos era Jorge Serpa, o misterioso personagem do mundo político carioca.
Posto que humanos, ao lado
de qualidade enormes, eram vítimas dos defeitos da vaidade
excessiva e da ambição política.
Schmidt era explosivo, língua
solta, ferino, agressivo. San
Thiago era cartesiano ao extremo, discreto, mas, à medida que
foi enriquecendo, a discrição foi
cedendo lugar a um deslumbramento que, por vezes, decepcionava até seu amigo Moreira Salles. Cismou de se tornar criador
de cavalo, passou a ambicionar
a presidência do Jockey Club,
comprou o "Jornal do Comércio" e passou a fazer carreira política.
Acabou o governo JK, veio o
governo Jânio, começou a turbulenta fase do governo Jango.
A esta altura, San Thiago era
um cometa que incendiava o
país inteiro com seu cartesianismo, com sua proposta de esquerda positiva.
Schmidt apoiou inicialmente
o golpe de 1964. San Thiago esteve na primeira lista de cassação.
Não foi cassado porque àquela
altura já se sabia de um câncer
devastador que tomara seu corpo. E San Thiago deu início a
uma última rodada de despedida dos amigos.
Aí os amigos Mauro Salles e
José Gregori resolveram fazer a
conspiração positiva. Usaram
como álibi a condição imposta
pelo livreiro José Olintho para o
relançamento do "Canto Brasileiro", de Schmidt: que o prefácio fosse de San Thiago.
Na véspera da última viagem
de San Thiago, a Paris, onde se
despediria de Walther Moreira
Salles, Mauro foi até a casa de
Schmidt, Gregori à de San Thiago. Mauro pegou o telefone e ligou para San Thiago. Ele atendeu, e Mauro passou o fone a
Schmidt. Nas duas casas, os dois
conspiradores prenderam a respiração e guardaram consigo, e
guardarão até o final de seus
dias, as primeiras palavras de
reconciliação dos dois amigos
eternos:
"Alô, Francisco."
"Como vai, Augusto?"
Francisco morreu em 1964.
Augusto, um ano depois.
E-mail -
lnassif@uol.com.br
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