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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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VIZINHO EM CRISE

Trabalhadores se unem em cooperativas e recuperam empresas que foram à bancarrota no auge da crise

Argentinos assumem fábricas falidas

MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

O estaleiro argentino Sanym empregava 120 pessoas quando fechou as portas, abatido pela crise econômica argentina, em julho de 2001. A empresa, que reparava e fabricava barcos e executava projetos para pontes e estruturas metálicas, reabriu em dezembro de 2002, quando 60 dos 120 trabalhadores que haviam sido demitidos resolveram voltar a trabalhar, mas, desta vez, sem o patrão.
Eles criaram uma cooperativa, procuraram o dono da empresa, alugaram as instalações e, no dia 7 de dezembro, "recuperaram" o estaleiro de 44 mil metros quadrados. "Chegamos, e os seguranças estranharam. Mas tínhamos um contrato e as chaves na mão", diz Horacio Rodríguez, 30, presidente do estaleiro, que agora se chama Cooperativa de Trabalho Almirante Brown.
Rodríguez faz parte de um exército de mais de 10 mil argentinos que hoje trabalham nas chamadas "fábricas recuperadas". Empresas falidas, algumas abandonadas pelos donos, que foram invadidas, tomadas ou ocupadas de comum acordo com os donos.
O sistema de trabalho é sempre o mesmo: todos recebem o mesmo salário, do faxineiro ao presidente; comissões tomam as decisões rotineiras, e uma assembléia geral, as mais importantes.
Existem hoje cerca de 140 fábricas recuperadas na Argentina. A maior parte (80%) é composta por pequenas e médias empresas e emprega, em média, 40 trabalhadores.
"Nas fábricas que já se estruturaram, o salário médio chega a 800 pesos (cerca de R$ 800)", afirma Eduardo Murúa, do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas.
Menos de 20% da população argentina recebe mais de 800 pesos por mês. Mas os salários não são tão generosos em todas as fábricas. No antigo estaleiro Sanym, por exemplo, os trabalhadores devem receber 300 pesos neste mês. "É o nosso primeiro mês. A maior parte do dinheiro que levantamos vai ser usado para investimento em matéria-prima e equipamentos. O que sobra, dividimos", diz Rodríguez.
Ele lista as dificuldades das fábricas: desconfiança dos fornecedores, inexistência de crédito, dificuldades de comercialização, processos de reintegração de posse aos antigos donos.

"Todos são donos"
Na maioria dos casos, os trabalhadores acabam ganhando o processo. Às vezes simplesmente porque eles são os maiores credores da empresa falida, por conta dos salários atrasados. A Justiça, por sua vez, tenta garantir o direito de propriedade e concede aos trabalhadores apenas o direito de usar a estrutura da empresa por um período determinado.
É o caso da fábrica Zanon, uma das maiores produtoras de cerâmicas da Argentina. Em novembro de 2001, a empresa fechou as portas e demitiu 531 empregados. Depois de uma ocupação, eles conseguiram o direito de uso da fábrica por dois anos. Compraram cerca de 40% dos estoques da empresa com os salários atrasados. Venderam o estoque e, com os recursos arrecadados, reativaram a produção.
Hoje, a fábrica produz apenas 20% da capacidade total, mas é o suficiente para garantir um salário mensal de 800 pesos para cada trabalhador. O motivo? Todos recebem o mesmo: não há a necessidade de pagar salários mais altos para o pessoal administrativo ou dividendos para acionistas.
"Ou pensando de outra forma, todos são donos, todos recebem dividendos", explica Murúa.


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