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VIZINHO EM CRISE
Trabalhadores se unem em cooperativas e recuperam empresas que foram à bancarrota no auge da crise
Argentinos assumem fábricas falidas
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES
O estaleiro argentino Sanym
empregava 120 pessoas quando
fechou as portas, abatido pela crise econômica argentina, em julho
de 2001. A empresa, que reparava
e fabricava barcos e executava
projetos para pontes e estruturas
metálicas, reabriu em dezembro
de 2002, quando 60 dos 120 trabalhadores que haviam sido demitidos resolveram voltar a trabalhar,
mas, desta vez, sem o patrão.
Eles criaram uma cooperativa,
procuraram o dono da empresa,
alugaram as instalações e, no dia 7
de dezembro, "recuperaram" o
estaleiro de 44 mil metros quadrados. "Chegamos, e os seguranças
estranharam. Mas tínhamos um
contrato e as chaves na mão", diz
Horacio Rodríguez, 30, presidente do estaleiro, que agora se chama Cooperativa de Trabalho Almirante Brown.
Rodríguez faz parte de um exército de mais de 10 mil argentinos
que hoje trabalham nas chamadas
"fábricas recuperadas". Empresas
falidas, algumas abandonadas pelos donos, que foram invadidas,
tomadas ou ocupadas de comum
acordo com os donos.
O sistema de trabalho é sempre
o mesmo: todos recebem o mesmo salário, do faxineiro ao presidente; comissões tomam as decisões rotineiras, e uma assembléia
geral, as mais importantes.
Existem hoje cerca de 140 fábricas recuperadas na Argentina. A
maior parte (80%) é composta
por pequenas e médias empresas
e emprega, em média, 40 trabalhadores.
"Nas fábricas que já se estruturaram, o salário médio chega a
800 pesos (cerca de R$ 800)", afirma Eduardo Murúa, do Movimento Nacional de Empresas Recuperadas.
Menos de 20% da população argentina recebe mais de 800 pesos
por mês. Mas os salários não são
tão generosos em todas as fábricas. No antigo estaleiro Sanym,
por exemplo, os trabalhadores
devem receber 300 pesos neste
mês. "É o nosso primeiro mês. A
maior parte do dinheiro que levantamos vai ser usado para investimento em matéria-prima e
equipamentos. O que sobra, dividimos", diz Rodríguez.
Ele lista as dificuldades das fábricas: desconfiança dos fornecedores, inexistência de crédito, dificuldades de comercialização,
processos de reintegração de posse aos antigos donos.
"Todos são donos"
Na maioria dos casos, os trabalhadores acabam ganhando o
processo. Às vezes simplesmente
porque eles são os maiores credores da empresa falida, por conta
dos salários atrasados. A Justiça,
por sua vez, tenta garantir o direito de propriedade e concede aos
trabalhadores apenas o direito de
usar a estrutura da empresa por
um período determinado.
É o caso da fábrica Zanon, uma
das maiores produtoras de cerâmicas da Argentina. Em novembro de 2001, a empresa fechou as
portas e demitiu 531 empregados.
Depois de uma ocupação, eles
conseguiram o direito de uso da
fábrica por dois anos. Compraram cerca de 40% dos estoques da
empresa com os salários atrasados. Venderam o estoque e, com
os recursos arrecadados, reativaram a produção.
Hoje, a fábrica produz apenas
20% da capacidade total, mas é o
suficiente para garantir um salário mensal de 800 pesos para cada
trabalhador. O motivo? Todos recebem o mesmo: não há a necessidade de pagar salários mais altos
para o pessoal administrativo ou
dividendos para acionistas.
"Ou pensando de outra forma,
todos são donos, todos recebem
dividendos", explica Murúa.
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