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São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 2003

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ANÁLISE / SIDERURGIA

Bush dá nova vida a dinossauros do aço

EDWARD ALDEN
CAROLINE DANIEL
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando o presidente George W. Bush impôs tarifas de até 30% sobre o aço importado pelos EUA, no ano passado, afirmou que o objetivo era "facilitar um ajuste positivo à competição contra o produto importado".
Com o anúncio, na semana passada, de que a US Steel compraria a National Steel e com a oferta de tomada de controle acionário da Bethlehem pelo International Steel Group, que está sendo examinada, a controvertida política protecionista parece estar perto de um sucesso surpreendente.
Os acordos criariam duas empresas que ficariam entre os dez maiores produtores de aço do mundo, consolidando um setor que durante muito tempo operou de maneira altamente fragmentada, se comparado aos concorrentes da Europa e da Ásia.
Charles Bradford, presidente da Bradford Research, uma consultoria especializada em metais, diz que "uma mudança monumental está ocorrendo", o que ampliará a competitividade das siderúrgicas, que vinham sendo consideradas dinossauros corporativos praticamente inúteis. Com três ou quatro siderúrgicas fortes, diz Bradford, a indústria será capaz de conduzir melhor as negociações, ajudando a estimular os preços do aço, que estavam em baixa histórica antes da imposição das tarifas.

Interferência política
Mas advogados especializados em comércio internacional e analistas do mercado siderúrgico demostram menos otimismo quanto à perspectiva de que os acordos tenham efeito em termos de aliviar as tensões internacionais quanto ao comércio de aço. Em curto prazo, alegam eles, os problemas podem ficar ainda piores.
Richard Cunningham, advogado do escritório Steptoe & Johnson, que representa a siderúrgica britânica Corus, diz: "Trata-se de um setor que sempre recorreu, e continuará recorrendo, à interferência política em busca de proteção contra as importações quando a economia se desacelera e as importações aumentam. Não se deve esperar que o resultado das medidas seja a paz no mercado internacional de aço".
O governo Bush, ao decidir impor tarifas contra as importações de aço em março passado, ofereceu uma defesa desgastada: a proteção ofereceria ao setor uma "pausa para reorganização" e ajuste aos produtos importados de baixo custo. Mas as medidas protecionistas anteriores, incluindo as restrições "voluntárias" de importação da década de 80, não conseguiram atingir esse objetivo.
A natureza abrangente do programa tarifário de Bush, no entanto, mudou a dinâmica do mercado. Além da proteção tarifária, Bush exigiu uma reestruturação do setor siderúrgico norte-americano como contrapartida e tomou providências objetivas para cobrir parte dos dispendiosos planos de aposentadoria de antigos operários siderúrgicos. Uma cláusula acrescentada discretamente ao projeto de lei de comércio internacional do ano passado pode ajudar a cobrir as despesas de saúde com aposentados.
Thomas Usher, presidente do conselho da US Steel, diz que, "sem o programa do presidente, teria sido difícil chegar ao ponto em que estamos hoje. Bush reconheceu a necessidade de empresas mais fortes e compreendeu que temos companhias capazes de competir mundialmente".

"100% essencial"
Wilbur Ross, presidente do conselho do International Steel Group, que foi criado em fevereiro do ano passado com a aquisição da falida LTV, afirma, sobre as tarifas: "Elas foram muito importantes. Assumimos o compromisso de comprar a LTV uma semana antes do anúncio das medidas de Bush. Fizemos porque nos parecia que ele faria algo de significativo. Jamais teríamos feito a oferta que fizemos sem isso".
Depois da imposição das tarifas, em março do ano passado, os preços do aço laminado a quente subiram da marca de US$ 220 a tonelada, em janeiro de 2002, para quase US$ 400 em julho.
Importante para as siderúrgicas dos EUA, as tarifas perturbaram as relações entre os compradores de aço norte-americanos e as siderúrgicas estrangeiras, forçando os consumidores a correr em busca de alternativas. As tarifas ajudaram a "criar um deslocamento das importações que nos deu a oportunidade de reencontrar clientes", diz Ross. "Foi uma medida 100% essencial."

Acordo
As empresas e o sindicato dos siderúrgicos usaram a oportunidade para adotar mudanças que prometem ser radicais nas práticas de trabalho que governam a indústria do aço.
Em suas negociações com o International Steel Group, o sindicato dos operários da indústria siderúrgica norte-americana concordou em abandonar um contrato coletivo de 750 páginas, eliminando uma série de regras restritivas que vinham prejudicando a produtividade. A empresa, de sua parte, aceitou eliminar diversos escalões hierárquicos de sua burocracia, entregando a administração do dia-a-dia das usinas aos operários.
Se um acordo como esse puder ser negociado na US Steel e nas demais siderúrgicas integradas, os analistas concordam em que o provável resultado seria uma redução no número de empresas e a criação de companhias mais competitivas contra o aço importado de baixo custo.

Produção maior
O governo Bush está esperando que isso torne as siderúrgicas norte-americanas menos dependentes do protecionismo comercial. Mas os especialistas em comércio externo dizem que a chance de que isso aconteça é pequena.
O efeito mais imediato, em contraste, provavelmente será um aumento na capacidade de produção de aço dos Estados Unidos, resultando em maior competição de preço entre as siderúrgicas integradas, as eficientes miniusinas como a Nucor e os fornecedores estrangeiros.
Os preços do aço já se deterioram diante de novos concorrentes, nos países em desenvolvimento, e da reabertura de unidades siderúrgicas norte-americanas como as usinas da LTV.

Sindicato aprova
Leo Gerard, presidente do sindicato dos operários siderúrgicos, diz que um elemento-chave do acordo entre sua organização e o International Steel Group era o fato de que a empresa poderia empregar a produtividade aumentada para ampliar sua capacidade e sua fatia de mercado, e não para reduzi-las. "Fazia muito tempo que uma empresa não dizia que queria crescer, produzir mais aço e reconquistar seus mercados."
Mas Cunningham, o advogado da Corus, diz que a competição de preços intensificada significará mais pedidos de protecionismo. Antes que as tarifas expirem, em março de 2005, "a indústria siderúrgica norte-americana estará pedindo que a proteção seja prorrogada", afirma.


Tradução de Paulo Migliacci


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