São Paulo, segunda-feira, 19 de janeiro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Qual a melhor taxa de câmbio?

JOÃO SAYAD

1) R$ 2,80 como na semana passada? R$ 4,00 como às vésperas das eleições de 2002?
2) O Banco Central pode influenciar e até fixar taxas cambiais. Se comprar e vender dólares a R$ 1,00, a taxa cambial será R$ 1,00 por dólar. Se comprar e vender dólares a R$ 4,00, a taxa cambial será R$ 4,00.
3) Se a taxa cambial for fixada em R$ 0,85 por dólar, como fez logo depois do lançamento do real, precisa tomar empréstimos em dólares para vender dólares que não tem e ao preço que fixou. Foi exatamente o que fez durante o período de taxas de câmbio fixas no Brasil e mesmo durante o período de taxas flutuantes depois de 1998.
4) O Banco Central não conseguiu manter a taxa fixa, a desvalorização foi inevitável e acabamos com imenso prejuízo, pois o banco vendeu barato o que depois ficou caro.
5) Os juros e a amortização dos empréstimos feitos para fixar a taxa cambial a nível muito baixo mais as perdas decorrentes da desvalorização têm que ser pagos pelo Tesouro Nacional, isto é, pelos contribuintes de impostos, apesar de não haver nenhuma autorização legislativa. (O Banco Central precisa de mais autonomia?)
6) Isso aconteceu no Brasil, na Argentina e em outros países da América Latina.
7) Os fatos são distorcidos defensivamente pelas autoridades monetárias que afirmam que a política fiscal atrapalha ("domina") a monetária, quando, na realidade, a política monetária e cambial é que determinam a política fiscal.
8) Se a taxa cambial for fixada em nível muito alto, R$ 4,00 por dólar, o Banco Central terá que comprar dólares e acumular reservas. O Banco Central tem que emitir dívida pública para comprar dólares. Acabaria com dívida maior e reservas maiores. Se as taxas de juros que paga na dívida forem menores do que as que recebe pela aplicação das reservas, também tem prejuízo. Se forem menores, o prejuízo pode ser menor.
9) No caso de taxas de câmbio muito altas, o Banco Central acaba tendo grande influência sobre a taxa e pode ter mais sucesso. O país acumula reservas, inspira confiança como uma empresa que tem muito caixa e a taxa cambial deixa de ser tão instável. Com câmbio alto, produção, emprego e investimento aumentam.
10) O Banco Central também pode manipular os juros. Se fixar os juros acima do que as empresas privadas podem pagar, os bancos não emprestarão dinheiro para o setor privado, mas apenas para o Banco Central. Se fixar muito abaixo, ninguém empresta para o Banco Central, mas apenas para o setor privado.
11) Não existe uma única taxa de juros de equilíbrio, se é que existe algum equilíbrio nos mercados financeiros. Existem limites superiores e inferiores. Não pode ser maior do que a taxa de rentabilidade da economia por muito tempo. Quanto tempo? Depende da boa vontade dos contribuintes que pagam impostos para pagar juros altos e da confiança dos credores que recebem juros para financiar o governo. Como no caso do câmbio, o Banco Central fixa juros e faz despesas (8% a 10% do PIB) sem nenhuma autorização legislativa. Ao Tesouro, cabe pagar. O Banco Central afirma que fixa as taxas altas para controlar a inflação. (Por que o Banco Central precisa de autonomia?)
12) Durante o período 1945-1980, quando a mobilidade de capitais internacionais era muito mais baixa, falava-se da taxa cambial "de equilíbrio" comparando índices de preços entre diferentes países. Era a regra chamada de paridade do poder de compra. Não existe uma taxa de câmbio de equilíbrio no mundo globalizado.
13) Com o crescimento da mobilidade internacional de capitais, a taxa de câmbio pode variar muito no curto prazo, exatamente como o preço das ações. No curto prazo, depende do que os investidores pensam que o Banco Central pensa que eles pensam. Num prazo maior, depende da capacidade de tomar empréstimos em dólares e de gerar superávits na conta de transações correntes.
14) Atualmente, como nos anos da Grande Depressão de 30, vários países estão usando a taxa cambial para aumentar a produção e o emprego. Os Estados Unidos estão contentes com a desvalorização do dólar em relação ao euro, pois o dólar mais fraco aumenta as exportações, diminui as importações e, conseqüentemente, eleva a produção e o emprego. O Japão e a China protegem as suas moedas comprando dólares. Ambos acumulam reservas.
15) A Europa não tem desequilíbrios importantes com nenhuma outra região do mundo até agora. No momento, perde apenas turistas. Logo mais, pode vir a se preocupar e tentar alguma reação.
16) No Brasil, o dólar passou a custar menos do que R$ 2,80 na semana passada. A valorização do real diminui as exportações e aumenta as importações. Diminui a produção e o emprego. O país precisa defender a produção e o emprego, como outros países estão fazendo.
17) O Banco Central tem várias alternativas: comprar dólares, reduzir juros ou fazer as duas coisas. Tanto comprar dólares quanto reduzir juros tendem a reduzir a valorização do real. Reduzir juros alivia as finanças públicas. Comprar dólares aumenta a dívida pública, mas aumenta as reservas ao mesmo tempo. É melhor do que emitir dívidas apenas para pagar juros altos, como agora.
18) A taxa cambial está muito baixa. O superávit comercial deste ano decorre, em grande medida, das taxas cambiais muito altas de 2002 e de bons preços internacionais.
19) O Banco Central anunciou que comprará dólares. Pode "comprar" dólares de várias formas: não renovando a dívida pública indexada ao dólar, tomando menos empréstimos no exterior ou comprando dólares no mercado doméstico. O dólar continua barato.
20) A taxa de juros não mudou. O Banco Central pode reduzi-la ou não em alguma quarta-feira. O Banco Central decide -como e quando quiser.
21) Que autonomia falta ao Banco Central?


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP. Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.

E-mail - jsayad@attglobal.net


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