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LUÍS NASSIF
O homem que serenou
Um dos meus maiores sonhos de
consumo musical foi conhecer o
grupo de compositores autenticamente carioca que dominou a cena musical brasileira dos anos 30
até o advento da bossa nova. Não
apenas os que se tornaram nomes
nacionais -como Joubert de
Carvalho e João de Barro-, mas
seus parceiros e companheiros,
como Alberto Ribeiro, Klecius
Caldas, Armando Cavalcanti, J.
Cascata, Paquito, Romeu Gentil,
Paulo Soledade, Zé com Fome e
Haroldo Barbosa, entre outros.
Nenhum deles me provocava
maior emoção, no entanto, que
Antônio Almeida. Isso mesmo
antes de eu saber que eram de sua
autoria três de minhas músicas
inesquecíveis:
"Serenô" ("serenô, eu caio, eu
caio/ serenô deixa cair"), "A Saudade Mata a Gente" ("Fiz meu
rancho na beira do rio/ meu amor
foi comigo morar", de 1947, com
João de Barro) e "Doralice" ("Ó
Doralice, eu bem que lhe disse/
amar é tolice/ é bobagem, ilusão",
de 1945, com Dorival Caymmi).
Compositor preferido dos conjuntos vocais dos anos 40, junto
com Janet de Almeida e Geraldo
Pereira, entre outros, Antônio Almeida teve influência decisiva na
formação de João Gilberto e constituiu uma das principais pontes
que ligou a nova bossa, que surgia, com a velha bossa, que se
eternizava.
Nasceu em Vila Isabel, em 1911.
Morreu no Rio, em 1985. Para
mim, tinha que era há menos
tempo. Só me lembrava que foi
pouco tempo depois de eu ter pedido ao meu amigo Pelão um encontro com ele. Até então, o Antônio Almeida que me fascinava
era o autor de dois sambas sincopados da melhor qualidade: o
"Amanhã eu Volto" ("amanhã
eu volto/ porque eu hoje já te aturei demais/ você não resolve não/
não sou doce pra limão", de 1942,
com Roberto Martins) e o "Volta
pra Casa, Emília" (um outro
"Emília", quentíssimo: "hoje eu
vivo sozinho/ não tenho paz nem
amor/ volta pra casa Emília/ senão eu morro de dor", com Wilson Baptista). Nas rodas de samba do grupo, sempre foram os
sambas prediletos.
Parceiro dos maiores compositores nacionais como os já mencionados -João de Barro, Caymmi, Wilson, André Filho, Ataulfo-, Antônio Almeida sempre foi
um personagem apagado, pelo
menos para os que não frequentaram o Rio de seu tempo. A histórica coleção de MPB em fascículos, da Abril, a obra editorial mais
importante sobre o tema que minha geração curtiu, pouca coisa
avança na biografia de Almeida.
Na "Enciclopédia da Música
Popular", fico sabendo que desde
jovem Almeida frequentava gafieira, ranchos e blocos, tendo
chegado a conhecer Sinhô na famosa sociedade carnavalesca Kananga do Japão. Em 1932 iniciou
carreira de cantor, apresentando-se no programa "No Outro Mundo", de Renato Murce, na rádio
Philips, do Rio.
Junto com o maestro Jerônimo
Cabral, compôs inúmeras peças
para as revistas musicais da praça Tiradentes e, depois, para os
cassinos da Urca e de Icaraí.
Também foi um dos pioneiros
do jingle radiofônico no país. No
rádio, foi produtor do programa
"Trem da Alegria", da rádio
Mayrink Veiga. Com Haroldo
Barbosa, outro carioca típico,
criou o personagem Barnabé, um
funcionário público permanentemente duro, que virou marcha
gravada por Emilinha.
Historiadores localizaram mais
de 300 composições suas. Além de
"Volta pra Casa, Emília", foi autor do clássico "Helena, Helena"
(com Constantino Silva, o Secundino), o "Recruta Biruta" (com
Nássara e Alberto Ribeiro), lançado pelos Garotos da Lua, conjunto vocal excepcional, relembrado por Ruy Castro em seu livro sobre a bossa nova.
Pessoas que o conheceram descrevem um homem atormentado,
bem ao contrário de suas músicas
mais conhecidas. Nesses casos,
sempre surge a hipótese de que a
amargura tenha sido consequência da falta de reconhecimento ou
de memória nacional. Fosse regra, entre os compositores do chamado período de ouro, o índice de
mortes por tristeza seria maior. A
questão é que ao se matar, com 74
anos, serenou o homem que embalou tantas gerações de brasileiros com suas músicas.
Licença
Nos próximos 45 dias estarei de
licença, para desenvolver trabalhos específicos. Mas voltarei com
colunas esporádicas, nesse período, se surgir algum tema relevante ou exclusivo. Como a licença,
solicitada há uma semana, foi
concedida um dia após a polêmica com o senador Roberto Requião, alguns leitores escreveram
indagando se havia alguma relação com o fato. Nenhuma, é evidente. O senador Requião é um
sujeito com tanta credibilidade
quanto uma nota de três reais.
Ele só ganhou espaço na Folha
devido ao rigor com que o jornal
trata da questão da transparência.
E-mail: lnassif@uol.com.br
FIAT - O presidente da Fiat do
Brasil, Roberto Vedovato, disse que
a união da Fiat com a General Motors "não significa uma diminuição
do parque de fornecedores". Segundo ele, os fornecedores também sairão fortalecidos com a soma de forças entre as duas montadoras.
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