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ARTIGO
O que preocupa é o que virá depois
PAUL KRUGMAN
Com certeza venceremos
no campo de batalha, e provavelmente com facilidade. Não
sou especialista em assuntos militares, mas lido bem com números: o mais recente orçamento militar dos Estados Unidos atingiu
os US$ 400 bilhões, enquanto os
gastos anuais iraquianos são de
US$ 1,4 bilhão.
O que me assusta é o que acontecerá a seguir -e não estou falando apenas dos problemas de
ocupação no pós-guerra. Preocupo-me com o que acontecerá para
além do Iraque -no mundo em
geral e nos Estados Unidos.
Os membros do governo George W. Bush não parecem incomodados pela enorme carga de sentimentos negativos que engendraram no resto do mundo. Parecem
acreditar que os demais países
mudarão de idéia assim que virem os iraquianos recebendo as
tropas americanas com alegria,
ou que nossas bombas chocarão e
atemorizarão todo o planeta (não
apenas os iraquianos), ou talvez
que não importa o que o mundo
pense. Mas eles estão errados
quanto a tudo isso.
Desconfiança
A vitória no Iraque não vai minar a desconfiança mundial
quanto aos Estados Unidos, porque o governo Bush deixou claro,
várias vezes, que não respeita as
regras do jogo. Lembre-se: esse
governo disse à Europa que cuidasse sozinha do aquecimento
global, disse à Rússia que instalaria uma defesa contra mísseis não
importa o que os russos pensassem, disse aos países em desenvolvimento que não interferissem
no comércio de produtos farmacêuticos essenciais para eles, disse
ao México que resolvesse o problema de seus emigrantes, insultou mortalmente os turcos e
abandonou o Tribunal Penal Internacional -e tudo isso em apenas dois anos.
E o poderio militar, como já vimos, não serve como substituto
para a confiança. Aparentemente
o governo Bush achava que seria
capaz de intimidar o Conselho de
Segurança da ONU a aprovar seus
planos. Mas a verdade é outra. "O
que os norte-americanos podem
fazer contra nós?", perguntou o
funcionário de um governo africano. "Vão nos bombardear? Vão
nos invadir?"
Enquanto isso, considere o seguinte: os Estados Unidos precisam de US$ 400 bilhões ao ano em
investimento estrangeiro a fim de
cobrir o déficit comercial, senão o
dólar despencará e a alta do déficit
orçamentário se tornará muito
mais difícil de financiar -e já
surgiram sinais de que o fluxo de
investimento estrangeiro está secando, no exato momento em que
os EUA parecem prestes a lutar
toda uma série de guerras.
Neoconservadores
É de conhecimento público que
essa guerra contra o Iraque foi em
larga medida fruto do pensamento de um grupo de intelectuais
neoconservadores, que a encaram
como projeto piloto. Em agosto,
um funcionário britânico que conhece bem o governo Bush disse à
revista "Newsweek" que "todo
mundo quer invadir Bagdá. Mas
os homens de verdade querem invadir Teerã". Em fevereiro deste
ano, de acordo com o jornal israelense "Ha'aretz", o subsecretário
de Estado norte-americano John
Bolton disse a representantes do
governo israelense que depois de
derrotar o Iraque os Estados Unidos "tratariam" do Irã, Síria e Coréia do Norte.
Próximos alvos
Será que o Iraque será mesmo o
primeiro de muitos conflitos? Parece muito provável -e não só
porque a doutrina George W.
Bush aparentemente exige uma
série de guerras. Os regimes que
estiverem na lista de alvos ou
acreditarem estar na lista de alvos
não vão esperar sentados pelo
momento de um ataque. Vão se
armar até os dentes e talvez atacar
primeiro. As pessoas que realmente sabem do que estão falando têm muito medo do programa
nuclear norte-coreano e encaram
uma guerra na península coreana
como algo que pode começar a
qualquer momento. E, no ritmo
que as coisas avançam, me parece
que combateremos essa guerra,
ou a guerra com o Irã, ou ambas a
um só tempo, sozinhos.
Falta de patriotismo
O que mais me assusta, porém, é
a frente doméstica. Vejam como
essa guerra aconteceu. Existem
argumentos em favor de tratar o
Iraque severamente; tenha em
mente que o governo Clinton se
exasperou a ponto de considerar
uma campanha de bombardeio
em 1998.
Mas não é esse o argumento que
o governo Bush apresentou. Em
lugar disso, fizemos asserções sobre um programa nuclear as
quais, na verdade, se baseavam
em provas falsas ou insuficientes;
e as alegações quanto a uma ligação entre o Iraque e a Al Qaeda
são vistas como tolice por pessoas
dos serviços de informações. No
entanto, essa sequência de embaraços passou quase completamente sem menção na imprensa
dos Estados Unidos. Por isso, a
maioria dos norte-americanos
não tem idéia dos motivos para
que o resto do mundo não confie
nas alegações do governo George
W. Bush. E, assim que os tiros começarem, o coro já ruidoso que
denuncia qualquer crítica como
falta de patriotismo se tornará ensurdecedor.
Assim, o governo sabe agora
que pode fazer alegações sem fundamento e que não precisará pagar o preço quando essas alegações forem provadas falsas, bem
como que retórica bélica vale votos e ajuda a calar a oposição. Talvez se recuse, honradamente, a
agir com base nesse perigoso conhecimento. Mas não posso evitar a preocupação quanto à possibilidade de que na política interna, como na internacional, essa
guerra tenha demonstrado o caminho do futuro.
Paul Krugman, economista e professor
da Universidade Princeton (EUA),
é colunista do "The New York Times".
Tradução de Paulo Migliacci
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