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OPINIÃO ECONÔMICA
Extingam o IGP
PAULO RABELLO DE CASTRO
Desde 1947 o IGP (Índice Geral de Preços), da Fundação
Getúlio Vargas, vem sendo o
grande e mais confiável termômetro da inflação brasileira. O
IGP é uma história de sucesso, publicado mensalmente na revista
"Conjuntura Econômica". Neste
mais de meio século de publicação o IGP trabalhou muito; registrou inflações baixas, altas e estratosféricas. Precisou vencer crises de desconfiança sobre sua utilidade; evitou tentativas de manipulação; venceu, firmando-se perante o público usuário e na competição com outros índices.
Agora, o IGP pode se aposentar,
com as glórias e sucessos de sua
época. Serviu ao país, como poucas instituições o puderam ou alcançaram; porém agora é hora de
ir para a prateleira das documentações históricas.
Por que aposentar um herói?
Tudo passa nesta vida, até mesmo a utilidade de índices de grande valia. Quando foi criado o Índice Geral de Preços, seu padrinho -o grande Eugênio Gudin- afirmou no primeiro boletim de "Conjuntura Econômica"
que sua finalidade era "essencialmente prática". Destinava-se a
deflacionar o Índice Geral de Negócios publicado por aquela revista. Sua estrutura, simples, mas
não óbvia, era formada por 60%
de influência dos preços por atacado (IPA), 30% pelo índice ao
consumidor (IPC) e 10% pela variação dos custos da construção
civil (INCC), estes dois últimos
medidos, inicialmente, só na cidade do Rio de Janeiro.
Tal composição nunca mudou.
Era preferível que permanecesse
assim, pois nenhuma outra estrutura de pesos entre atacado, varejo e construção civil poderia manter a qualidade de encadear o IGP
ao longo das décadas de observação passada, ligando-o ao futuro.
A estrutura de pesos ficou constante, até o presente.
Ocorre, porém, que os mecanismos de captura dos choques autônomos (do tipo aumento de preço
de petróleo, variações no câmbio,
crises de safra etc.) se intensificaram muito após a passagem para
o sistema de câmbio flutuante,
em 1999. Antes da liberação cambial, e nos anos de forte intervenção direta em preços via CIP
(Conselho Interministerial de
Preços) e controles de tarifas públicas da última metade do século
20, o governo exercia manobras
de acomodação do impacto desses choques de fora ou sobre o
abastecimento interno. Com a liberação dos preços e do câmbio,
resultou uma economia na qual
os preços no atacado são capazes
de se descolar fortemente dos do
varejo, por largos períodos, como
vem se verificando desde 1999.
Contudo os contratos pactuados desde então, seja entre particulares ou entre estes e o governo
-caso das concessionárias de
energia e outros-, ou entre governo e governo -na federalização de dívidas estaduais-, têm
todos estabelecido o IGP como referência.
Tal relação tem se tornado perversa para o lado devedor, à medida que o IGP carrega 60% de
influência do atacado, fortemente
pressionado pelo câmbio, e depois, transmite -especialmente
por tarifas públicas- essa influência ao varejo, que realimenta o mesmo IGP para cima, em
geral quando o IPA já está tendo
variações cadentes. Não é necessário muito esforço técnico -basta o uso de atenção e intuição-
para perceber que a preferência
generalizada pelo IGP -um índice "composto"- torna a indexação mais rígida na economia
como um todo, favorecendo credores, exageradamente, em detrimento de devedores e sacrificando o já sofrido povo assalariado à
medida que, ao governo, parece
só restar um remédio (aliás, equivocado) para combater "a inflação do IGP": aumentar juros até o
limite da destruição do crescimento e da eliminação de novos
postos de trabalho.
Por isso o IGP, na era do câmbio
livre, dos preços liberados e da incerteza mundial -que deve perdurar-, já não é o herói do passado. Deve se aposentar com glórias, para não cair na "compulsória", como vilão involuntário.
A pergunta que fica é: como extinguir o IGP sem dano ou insegurança jurídica? Por sorte, os
contratos trazem todos uma cláusula do índice sucedâneo, na hipótese de o então adotado não ser
mais publicado. Portanto não há
insegurança jurídica para as partes, que deverão pactuar um índice alternativo ao IGP. Para uns, o
índice chamado de "núcleo inflacionário" será mais compatível
com o contrato (por exemplo, as
renegociações da dívida estadual). Em outros casos mais frequentes, a migração natural seria
um índice puro de preços ao consumidor. Para outros, algum índice específico (há vários na FGV)
de variação de custo no atacado.
Enfim, para outros ainda, o próprio câmbio.
Só a FGV pode resolver essa parada. A ela cabe aposentar o notável IGP, deixando de publicá-lo.
Paulo Rabello de Castro, 54, doutor em
economia pela Universidade de Chicago
(EUA), é vice-presidente do Instituto
Atlântico e chairman da SR Rating, agência brasileira de classificação de riscos de crédito. Escreve às quartas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
E-mail -
paulo@rcconsultores.com.br
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