São Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 2002

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LUÍS NASSIF

Desacertos do modelo elétrico

A inda há muito a caminhar e a discutir sobre o novo modelo elétrico brasileiro. Sua implantação foi capenga, sem os cuidados que cercaram o modelo de telecomunicações, que, se demanda ajustes conjunturais, ao menos é bem concebido.
O desfecho da crise energética, que levou os consumidores a aderirem à economia de energia para, depois, serem punidos pela queda de consumo, é um dos atos políticos mais desastrosos dos últimos anos.
Especialista no setor, o técnico pernambucano Felício Limeira de França preparou um diagnóstico competente sobre os erros do modelo, que poderá servir de reflexão para as correções.
Internacionalmente, a mudança no modelo elétrico começou em julho de 1989, quando o governo Thatcher promulgou o "Electricity Act", mudando a regulação e estimulando a competição, o que, teoricamente, aumentaria a eficiência do sistema e reduziria os custos de energia.
A base do modelo seria um sistema de preços regulado por uma espécie de Bolsa de Valores, com cotações definidas pelo mercado. O modelo espalhou-se pelo mundo de forma rápida, sem que houvesse preocupação com as particularidades de cada país. Recentemente, um técnico inglês, em reunião da OCDE, sustentou que "os ganhos da reforma não seriam obtidos sem a despolitização do setor elétrico, e esta não aconteceria sem a privatização". Lá, partiu-se da análise do problema para chegar à solução, que passava pela privatização e pela competição.
No caso brasileiro, faltavam as precondições básicas para o modelo ser vitorioso. Tais condições eram:
1) Excesso de capacidade, se possível associada a um mercado maduro que crescesse a taxas muito baixas. Aqui havia falta de capacidade e mercado dinâmico.
2) Fortes diferenciais de preços da energia entre regiões, entre Províncias ou entre Estados, que levassem a energia mais barata a competir com aquela mais cara sempre que o diferencial de preço fosse superior ao custo da transmissão. Aqui não havia esse diferencial.
3) Aparecimento de uma ou mais opções tecnológicas que viessem de alguma forma eliminar as vantagens de economia de escala do monopólio natural. Aqui o gás puxou para cima o custo marginal da geração.
4) O menor número possível de restrições de ordem técnica para que se pudesse montar o despacho das unidades geradoras apenas em função das ofertas do preço (leilões de compra e venda de energia). Ou seja, somente os desvios normais, causados por indisponibilidades de unidades geradoras ou por condições que levassem a congestionamento na transmissão, poderiam interferir com a liberdade do mercado. Aqui a otimização do uso das águas exige modelos matemáticos incompatíveis com a liberdade total de mercado.
Quando as condições prévias não existem, para funcionar o modelo passa a depender de uma sequência interminável de novas normas e instruções que acabam por criar um Frankenstein: não tem se mais o modelo anterior, baseado no planejamento, nem o modelo alternativo, baseado no mercado. "Aparecem então as cláusulas complacentes de reajuste de preços da energia, o aviltamento dos preços dos ativos elétricos estatais e a concessão de facilidades financeiras para facilitar a sua venda. Em outras palavras, os ganhos que a ausência de uma competição verdadeira não traz são garantidos antecipadamente em vantagens nebulosas ou embutidos numa liberdade quase irrestrita de preços", diz ele.
No modelo, a transmissão separada da geração e a distribuição continuariam sendo consideradas monopólios naturais. A primeira permaneceria estatal e a segunda seria aberta à privatização. Não atentaram para as diferenças em relação ao modelo inglês. Aqui, em um sistema predominantemente hidrelétrico, a transmissão desempenha papel fundamental na definição da energia firme. No sistema inglês, predominantemente térmico, a transmissão é neutra com relação ao nível de energia firme do sistema.
Por questão de espaço, amanhã completo a análise apresentada pelo engenheiro França.

E-mail - lnassif@uol.com.br



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