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OPINIÃO ECONÔMICA
Pacote elétrico não deve adiar ajuste
GESNER OLIVEIRA
Os cenários da crise energética das últimas semanas
eram tão catastrofistas que as
medidas anunciadas ontem pela
Câmara de Gestão da Crise de
Energia Elétrica chegaram a causar até um certo alívio.
Três virtudes do pacote elétrico
merecem destaque. Em primeiro
lugar, percebe-se uma preocupação em introduzir estímulos de
preço, que constitui mecanismo
superior de racionamento relativamente à vontade do burocrata.
Assim, a criação dos chamados
"bônus de economia" para consumidores residenciais que poupam
além das metas estabelecidas
constitui incentivo útil. Somado
ao aumento escalonado das tarifas, deve reduzir moderadamente
a quantidade demandada de
energia.
Além disso, e apesar da justificada irritação com a situação, as
primeiras reações da população
parecem indicar uma disposição
patriótica em cortar o consumo.
Esse efeito escapa naturalmente
das equações econométricas.
Em relação aos consumidores
industriais, estimulou-se a negociação de energia no chamado
Mercado atacadista de energia
(MAE). Os preços nesse mercado
são muito mais elevados do que o
preço médio da energia no Brasil;
na região Sudeste está em R$
460/MWh, mais de seis vezes o
preço médio do sistema.
A escolha do preço do MAE como referência parece correta ao
refletir, ainda que de forma imprecisa, o custo marginal da energia. Sua utilização deverá gerar
um forte incentivo à substituição
da energia elétrica por outros
energéticos, diminuindo a quantidade demandada e elevando a
quantidade ofertada.
Em segundo lugar, as metas de
cortes discriminadas por setores e
por faixas de renda parecem mais
razoáveis do que as especulações
que circularam nas últimas semanas. Cortes indiscriminados
tendem a gerar sérias ineficiências e comprometer o conjunto do
programa. Persiste, contudo, o
risco de injustiças e de uma enxurrada de ações judiciais, para o
que as autoridades terão de mostrar flexibilidade e agilidade.
Em terceiro lugar, faz sentido
testar um pacote mais brando em
um primeiro momento do que
partir, de início, para o tratamento de choque. Esse gradualismo
na introdução do racionamento
pode se revelar eficiente se lograr
evitar o apagão.
Naturalmente, corre-se o risco
de cortes maiores no futuro para
compensar a brandura dessa fase
inicial. Todavia a aposta parece
sensata. Não faz sentido amputar
a perna sem tentar controlar a infecção.
O maior problema, contudo, reside na definição clara das regras
de longo prazo. É preciso, por
exemplo, restabelecer a credibilidade do MAE e estabelecer parâmetros claros para o investimento
em termeletricidade. Disso depende a superação da crise de
oferta nos próximos anos.
Diante do medo do "apagão",
as providências adotadas parecem razoáveis. Comentava-se ontem que tiraram o bode da sala.
No entanto ele pode voltar se as
respostas de curto prazo não forem complementadas com medidas estruturais que reequilibrem
demanda e oferta de energia.
Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.
E-mail: gesner@fgvsp.br
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