São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Pacote elétrico não deve adiar ajuste

GESNER OLIVEIRA

Os cenários da crise energética das últimas semanas eram tão catastrofistas que as medidas anunciadas ontem pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica chegaram a causar até um certo alívio.
Três virtudes do pacote elétrico merecem destaque. Em primeiro lugar, percebe-se uma preocupação em introduzir estímulos de preço, que constitui mecanismo superior de racionamento relativamente à vontade do burocrata.
Assim, a criação dos chamados "bônus de economia" para consumidores residenciais que poupam além das metas estabelecidas constitui incentivo útil. Somado ao aumento escalonado das tarifas, deve reduzir moderadamente a quantidade demandada de energia.
Além disso, e apesar da justificada irritação com a situação, as primeiras reações da população parecem indicar uma disposição patriótica em cortar o consumo. Esse efeito escapa naturalmente das equações econométricas.
Em relação aos consumidores industriais, estimulou-se a negociação de energia no chamado Mercado atacadista de energia (MAE). Os preços nesse mercado são muito mais elevados do que o preço médio da energia no Brasil; na região Sudeste está em R$ 460/MWh, mais de seis vezes o preço médio do sistema.
A escolha do preço do MAE como referência parece correta ao refletir, ainda que de forma imprecisa, o custo marginal da energia. Sua utilização deverá gerar um forte incentivo à substituição da energia elétrica por outros energéticos, diminuindo a quantidade demandada e elevando a quantidade ofertada.
Em segundo lugar, as metas de cortes discriminadas por setores e por faixas de renda parecem mais razoáveis do que as especulações que circularam nas últimas semanas. Cortes indiscriminados tendem a gerar sérias ineficiências e comprometer o conjunto do programa. Persiste, contudo, o risco de injustiças e de uma enxurrada de ações judiciais, para o que as autoridades terão de mostrar flexibilidade e agilidade.
Em terceiro lugar, faz sentido testar um pacote mais brando em um primeiro momento do que partir, de início, para o tratamento de choque. Esse gradualismo na introdução do racionamento pode se revelar eficiente se lograr evitar o apagão.
Naturalmente, corre-se o risco de cortes maiores no futuro para compensar a brandura dessa fase inicial. Todavia a aposta parece sensata. Não faz sentido amputar a perna sem tentar controlar a infecção.
O maior problema, contudo, reside na definição clara das regras de longo prazo. É preciso, por exemplo, restabelecer a credibilidade do MAE e estabelecer parâmetros claros para o investimento em termeletricidade. Disso depende a superação da crise de oferta nos próximos anos.
Diante do medo do "apagão", as providências adotadas parecem razoáveis. Comentava-se ontem que tiraram o bode da sala. No entanto ele pode voltar se as respostas de curto prazo não forem complementadas com medidas estruturais que reequilibrem demanda e oferta de energia.


Gesner Oliveira, 44, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-SP, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade.

E-mail: gesner@fgvsp.br


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