São Paulo, sábado, 19 de maio de 2001

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LUÍS NASSIF

A discussão sobre a Nossa Caixa

É possível , nas condições de regulação atuais do mercado, ter um banco estadual que tenha ações em Bolsa -consequentemente, compromissos com a rentabilidade- e, ao mesmo tempo, cumpra um papel social -isto é, entre em áreas que, pela baixa rentabilidade, não interessem ao setor privado?
Esse é o enigma que o governo do Estado de São Paulo se propôs a desvendar, com o anúncio da venda pulverizada de ações da Nossa Caixa, mas mantendo o controle do Estado.
Como lógica, o projeto é consistente. Depois da saída de cena do Banespa, a Nossa Caixa tornou-se o único banco estatal de São Paulo. A manutenção do controle público foi questão de honra do governador Mário Covas, que, para tanto, pagou caro: o Estado teve que pagar 50% do passivo fiduciário da Nossa Caixa em 18 meses, quando poderia ter financiado 80% em 30 anos, caso tivesse optado pela privatização.
Pelo modelo proposto -inaugurado pelo Banco do Brasil-, seriam criadas sete subsidiárias integrais da Nossa Caixa, para atuar na área de produtos -cartão de crédito, crédito e financiamento, gestão de recursos de terceiros etc.-, justamente as mais concorrenciais. Essas subsidiárias serão privatizadas, ficando o sócio privado com 51% no capital e acento no conselho da Nossa Caixa.
Por sua vez a Nossa Caixa venderá 49% de seu capital, parte para os sócios das subsidiárias (na forma de ações preferenciais), parte de forma pulverizada no mercado. Os recursos servirão para o Tesouro paulista fazer caixa e para alavancar a política de investimentos da Nossa Caixa.
É um caso bastante interessante, que permitirá resolver duas questões ainda nebulosas:
1) é possível casar função social (nichos de baixa rentabilidade) com o objetivo de apresentar rentabilidade similar à dos concorrentes privados (condição para se conseguir investidor privado)?
2) é possível garantir que o modelo proposto será imune a governantes populistas?
Em relação ao primeiro item, bancos públicos têm vantagens adicionais, capazes de permitir contrabalançar ação pública com rentabilidade. A Nossa Caixa administra um saldo médio de R$ 2,5 bilhões do Tesouro do Estado. Dentro de cinco anos terá a folha de salários do Estado. Além disso, tem uma estrutura enxuta e está em expansão.
A questão é o item 2: como sobreviver a governantes populistas.
Dos problemas do Banespa em 1994 até agora muita água rolou. O Banco Central aprimorou os controles, as exigências de balanço e de capitalização, as regras para a identificação de créditos de difícil liquidação. Além disso, há proibições explícitas de negociar com entidades públicas. No campo da Lei das Sociedades Anônimas, é possível estabelecer controle de abusos por meio do Conselho de Administração. Ou então incluindo a Nossa Caixa no Novo Mercado do Bovespa -que exige uma política de ampla transparência com os investidores.
São avanços institucionais e culturais relevantes. Ainda assim, há que estudar bastante, na modelagem da operação para reforços adicionais à profissionalização. Um eventual governo populista certamente reduziria a disponibilidade de caixa do Estado. E, como não existe uma especificação clara do que seriam programas sociais, corre-se o risco de englobar nessa família demandas políticas menores. Todo projeto, para ser legítimo, tem que dispor de condições de sobreviver à falta de seus formuladores.
De qualquer modo, será um bom exercício para discutir um novo modelo de empresa pública.


Internet: www.dinheirovivo.com.br

E-mail: lnassif@uol.com.br



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