São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Corrupção e proteção da democracia

ALOIZIO MERCADANTE

A corrupção cria obstáculos para o desenvolvimento econômico e produz custos financeiros inaceitáveis. Estudo do FMI, elaborado em âmbito mundial, prova que o PIB cai cerca de 0,5%, e os investimentos, 4%, quando há um aumento de dois pontos numa escala de corrupção de dez. Porém os custos maiores da corrupção são os custos democráticos. De fato, a corrupção causa sérios danos à credibilidade dos sistemas democráticos, resultando no desgaste das instituições e em ameaça à governabilidade, o que confirma a necessidade de todos combaterem essa praga.
Em consonância com tal necessidade, descuidada em administrações passadas, e com o sólido patrimônio ético do PT, o governo Lula realizou 45 operações contra a corrupção, que resultaram na prisão de 1.234 pessoas, inclusive 290 funcionários públicos, muito mais do que o feito em governos anteriores. Saliente-se que alguns esquemas de corrupção desbaratados neste governo, como o dos "vampiros da saúde", estavam em operação há décadas. Além disso, as 7.500 auditorias feitas em 741 prefeituras pela CGU, outrora motivo de chacota, resultaram na recuperação de R$ 850 milhões aos cofres públicos, fato inédito na história do país.
Mas ações repressivas não bastam. É necessário um conjunto de medidas propositivas que visem à maior transparência das ações estatais, à criação de mecanismos de fiscalização e à mudança do sistema político. Fazem parte dessa agenda positiva pelo trato correto da coisa pública, entre outras medidas, a MP da Previc, rejeitada pela oposição, que tinha por finalidade fiscalizar o uso dos mais de R$ 290 bilhões dos fundos de pensão, o projeto de minha autoria que impõe a divulgação de informações completas sobre licitações públicas na internet e, fundamentalmente, a reforma política. Tal reforma, que inclui financiamento público de campanhas, fidelidade partidária, voto em listas partidárias etc., deverá resultar em um sistema político mais transparente, legítimo e menos permeável às pressões do poder econômico, o que inibirá vícios patrimonialistas ainda comuns.
As denúncias sobre os Correios e o suposto "mensalão" não vão desviar o governo Lula dessa firme trajetória rumo à administração pública transparente e a uma nova relação entre o público e o privado no Brasil. As CPIs já estão sendo instaladas e tudo será investigado. Nada será engavetado, como ocorreu no passado. No entanto não será permitido, para o próprio bem das investigações, que elas se convertam em palanques eleitorais que conduzam ao desgaste das instituições democráticas ou em peças de dramaturgia chula que visem salvar a pele de acusados em desespero. Lula no poder representa o coroamento da democracia brasileira e a esperança de dezenas de milhões de brasileiros, principalmente dos excluídos. É experiência política nova e bem-sucedida que gera compreensíveis ressentimentos. Por isso, a mesma firmeza que o governo Lula demonstra na luta pela transparência será usada para impedir a criação de crises políticas artificiais, as quais têm custos maiores ao processo democrático do que os da corrupção. A democracia brasileira precisa ser protegida tanto de atos de corrupção quanto do uso do combate a esse mal como justificativa para práticas demagógicas, que acabam impedindo investigações conseqüentes, como querem a opinião pública e o governo.



Aloizio Mercadante, 51, é economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, senador por São Paulo e líder do governo no Senado Federal.
Internet: www.mercadante.com.br
E-mail -
mercadante@mercadante.com.br


Texto Anterior: Opinião econômica - José Alexandre Scheinkman: A corrupção e a economia
Próximo Texto: Luís Nassif: O último guerreiro de Vargas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.