São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

EFEITO CURUPIRA

Segundo Elielson Ayres, que comanda Ibama em Mato Grosso, ramos do Pará e de Rondônia persistem

Máfia ainda não acabou, diz interventor

Fotos Fernando Donasci/Folha Imagem
Desmatamento recente em floresta convertida para lavoura avança sobre a mata em Nova Ubiratã, região médio-norte de Mato Grosso, município que mais desflorestou na Amazônia neste ano

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

Após nove meses de investigação e o indiciamento pela Polícia Federal de 90 acusados anteontem, uma quadrilha responsável pelo desmatamento ilegal na Amazônia em Mato Grosso, Pará e Rondônia ainda não foi totalmente desmontada, diz o interventor do Ibama em Cuiabá, Elielson Ayres de Souza.
Dados obtidos pela Folha apontam que, em 2003 e 2004, a quadrilha, com ajuda de funcionários do Ibama, foi responsável pela derrubada de cerca de 2,5 milhões de metros cúbicos de madeira em Mato Grosso e Pará, o equivalente a 83 mil caminhões com a carga avaliada em quase R$ 1 bilhão.
O total devastado, porém, ainda é maior, pois não inclui Rondônia e outras áreas de Mato Grosso.
Segundo Souza, que iniciou as investigações em agosto de 2004, falta desmontar o esquema no Pará, e o Ibama prepara operações de fiscalização na divisa de Mato Grosso com Rondônia.
Na noite da última quarta-feira, a reportagem da Folha viu cinco caminhões carregando toras na estrada entre Colniza e Aripuanã, extremo noroeste de Mato Grosso. Na sexta-feira, um carregamento com 50 metros cúbicos ilegais foi apreendido em Várzea Grande, perto de Cuiabá.
São acusados de pertencer à quadrilha madeireiros, despachantes, servidores do Ibama e também da Fema (Fundação do Meio Ambiente de Mato Grosso).
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal entraram na investigação com Souza.
Desde o dia 2, a Justiça Federal em Cuiabá decretou ao menos 143 prisões -47 de funcionários do Ibama. Até o fim da semana passada, 37 pessoas ainda estavam presas, incluindo o ex-superintendente do órgão ambiental federal em Cuiabá Hugo Werle.
Na última sexta, o delegado da PF Tardelli Boaventura disse que indiciou 90 pessoas, a maioria sob suspeita de corrupção passiva e formação de quadrilha. Indiciamento é o mecanismo pelo qual o delegado aponta supostos responsáveis por um crime.

Como era a fraude
O esquema da fraude funcionava principalmente com a emissão, feita por servidores corruptos do Ibama, das chamadas ATPFs (Autorizações para Transporte de Produtos Florestais), adulteradas, falsas ou em branco.
Esses documentos legalizavam madeira extraída sem autorização, até mesmo em reservas indígenas. Havia ainda liberação de cargas nos postos fiscais e falsificação de laudos de vistorias em propriedades rurais.
Despachantes compravam por R$ 1.000 uma ATPF em branco de servidores do Ibama e vendiam pelo dobro a madeireiras clandestinas ou fantasmas.
As investigações encontraram, por enquanto, 431 empresas fantasmas (141 delas em Sinop, 133 em Alta Floresta, 44 em Aripuanã e as restantes distribuídas por sete outros municípios).
Há uma lista, obtida pela Folha, de 67 madeireiras do Pará que compraram 117 mil metros cúbicos, avaliados em R$ 35,6 milhões, de empresas fantasmas de Mato Grosso. A cidade de Santarém recebeu 194 mil metros cúbicos de madeiras enviados por 35 empresas fantasmas e outras 24 não-vistoriadas. A carga, sustentada por 3.497 ATPFs ilegais, foi avaliada em R$ 61,9 milhões.

"Mal-entendido"
Principal acusado no esquema dentro do Ibama, o ex-superintendente Werle nega a corrupção e diz que as investigações vão explicar o mal-entendido.
Os dados sobre a quadrilha se referem, por enquanto, a 2003 e 2004, mas o esquema, segundo Souza, funcionava desde o início da década de 1990.
O Ministério Público Federal relata que em dez anos, até 2000, foram retirados o equivalente a R$ 146 milhões em madeira das terras dos índios cintas-largas, entre Mato Grosso e Rondônia.
O governador Blairo Maggi nega que defenda o avanço da agricultura sobre a Amazônia. Após a prisão do secretário, ele decretou intervenção no órgão ambiental.
Mas, cinco dias após a prisão do então secretário de Meio Ambiente, Moacir Pires, o governo destacou em seu site oficial que, graças à pavimentação de uma rodovia estadual, a "região noroeste de Mato Grosso está se consolidando como a mais nova fronteira agrícola do Estado, muito provavelmente, da Amazônia".
Era uma referência à obra de asfaltamento da estrada estadual MT-170, no valor de R$ 82,1 milhões paga pelo governo em parceria com produtores rurais. Essa obra, a ser concluída até o fim de 2006, é que favorecerá a expansão da fronteira, segundo o governo.


Texto Anterior: Integração: Mercosul terá fundo para ajudar países pobres
Próximo Texto: Ex-madeireiro se assusta com devastação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.