São Paulo, domingo, 19 de junho de 2005

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Ex-madeireiro se assusta com devastação

DO ENVIADO A MATO GROSSO

O catarinense Ari Hoffman, 49, pertence a uma classe cada vez mais comum na região médio-norte de Mato Grosso: a dos ex-madeireiros. "Isso aqui está decadente", diz, ao apontar para o barracão semidesmoronado de sua antiga serraria. "Não compensa mais recuperar um telhado desses." O negócio agora é soja.
Hoffman vendeu metade de sua parte numa madeireira pequena de Sinop, um dos pólos madeireiros do Estado. Nos tempos gordos, ele serrava até 300 metros cúbicos por mês. Hoje, com a matéria-prima cada vez mais longe, aluga uma serra e o barracão por R$ 1.500. A empresa trabalha com metade da capacidade.
Hoffman tem orgulho mesmo da soja, do milho e do arroz que planta em duas propriedades, uma a 20 km e outra a 90 km de Sinop. Em uma frase, o produtor resume a equação econômica que o fez mudar de ramo e agora orienta a região. "A agricultura te dá números melhores." Em outra, a lógica pessoal da decisão: "Depois que virei agricultor, parei de ser tachado de bandido".
Ao levar a reportagem para conhecer sua fazenda, ele aponta para as madeireiras ao longo da BR-163. "Essa aqui bate o cadeado segunda-feira", diz. Está fechando por causa da queda do dólar. Tem 400 funcionários. E um pouco mais adiante: "Aqui era uma madeireira. Passaram a frigorífico".
"Muita gente no ano passado migrou para o setor agrícola porque se cansou de se incomodar com o setor florestal", diz Jaldes Langer, presidente do Sindicato das Indústrias Madeireiras do Norte do Estado de Mato Grosso.
Uma das razões do incômodo, para Langer, é a lentidão na aprovação de um plano de manejo florestal. Outra é a pressão do agronegócio sobre as terras. Como o preço internacional do grão teve um boom e a maioria das terras é privada, os proprietários preferem desmatar e plantar.
"A floresta está na mão de grandes pecuaristas e grandes agricultores", diz Langer, culpando o fato pela redução do fornecimento de madeira para as serrarias e processadoras da cidade.
A pressão ao agronegócio atingiu também empresas maiores. A Guavirá Industrial e Agroflorestal, a única madeireira de Mato Grosso certificada pelo FSC (Conselho de Manejo Florestal), vendeu 15 mil hectares de uma de suas florestas para a agricultura durante o auge dos preços da soja -e acabou abrindo mão do selo verde. O negócio, no entanto, foi desfeito recentemente.
Por fim, a exploração predatória ao longo de três décadas cobrou seu preço. As matas que restam na região já não têm mais madeira, como se verifica facilmente num sobrevôo do local, que revela várias estradas de madeireiros em virtualmente toda a floresta. "Essa tora vem de no mínimo 200 km daqui", diz Hoffman, com a mão sobre uma itaúba de um metro de diâmetro.
Ele mesmo é um exemplo de como essa exploração aconteceu. Primeiro, esgotou a madeira em sua fazenda em Sinop, de 400 hectares. Depois, repetiu o padrão na área de 2.400 hectares no município de Santa Carmen. Então passou a comprar toras de longe.
A Folha levou Hoffman para um sobrevôo de duas horas sobre Sinop e os municípios vizinhos de Feliz Natal e Nova Ubiratã -este último, o que mais desmatou na Amazônia em 2005, segundo o Ministério do Meio Ambiente.
O vôo é uma aula compacta de crimes ambientais, que vão de desmatamentos em 100% das propriedades -quando o permitido por lei são 20%- até degradação de matas ciliares. Até a divisa do Parque Indígena do Xingu, as matas estão inteiramente perfuradas por estradas feitas pela predação madeireira.
Em Nova Ubiratã, grandes extensões de floresta estão sendo convertidas diretamente para a agricultura. "Fiquei assustado com o tanto que estão desmatando", diz o ex-madeireiro. (CA)


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